Em videoconferência, especialistas defendem papel dos conselhos de idosos no contexto da pandemia

      Os conselhos da pessoa idosa, nas esferas municipal, estadual e federal, são os órgãos representativos da voz e das inquietações dos idosos e, como tal, devem ter papel fundamental no combate à pandemia de Covid-19 e no momento posterior, de reconstrução do Estado de Direito e das liberdades democráticas. Nesse sentido, é fundamental que seja revogado o Decreto n.º 9.759, de 11 de abril de 2019, que destituiu a direção eleita do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDI). Depois foi editado o Decreto n.º 9.893, de 27 de junho de 2019, desfigurando o formato original, representativo da sociedade civil e do poder público, do CNDI.

      Esta foi a posição dos participantes da videoconferência “Pessoa idosa, direitos humanos e o que a pandemia nos alerta”, realizada na noite deste dia 15 de junho, segunda-feira, pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos, em parceria com a Pastoral da Pessoa Idosa, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

      A mediação do evento foi de Lucia Secoti, presidente destituída do CNDI. Ela lembrou que toda a construção do arcabouço legal e estrutura de proteção aos idosos, como no caso da Política Nacional do Idoso, de 1994, e do Estatuto do Idoso, de 2003, derivam da luta da sociedade civil, antes mesmo da promulgação da Constituição de 1988. Também salientou que os Conselhos de fato representativos são essenciais para o combate à corrupção. “O Decreto 9.759 empobrece a democracia, pois retira o direito da sociedade civil de participar desse espaço legítimo”, sustentou.

Regime compartilhado

A defesa dos conselhos como representativos dos idosos foi feita por Albamaria Paulino de Campos Abigalil, que participou da elaboração e implementação da Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso, foi Secretária Nacional de Promoção Humana do Ministério de Bem-Estar Social e participou como membro do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, no período de 2002 a 2018.

      Albamaria lembrou que a Constituição de 1988 estabeleceu o regime compartilhado entre as três esferas do Estado e a sociedade para a defesa dos direitos de cidadania, como no caso dos direitos dos idosos. Nesta configuração, os Conselhos de Direitos dos Idosos são essenciais para “a garantia de um envelhecimento digno”. O processo de envelhecimento, observou, tem determinantes biológicos, mas também sociais e de outras naturezas, devendo considerar as políticas públicas voltadas para a população em geral e para os idosos em particular.

      Para Albamaria, a destituição do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, assim como de outros colegiados com participação da sociedade civil, pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, representou “uma quebra do sistema democrático e do pacto civilizatório estabelecido pela Constituição de 1988”. Essa decisão deveria ser portanto imediatamente revogada, para que o país de fato volte à normalidade institucional.  

      Ela lamentou que “desde 2016 e sobretudo nos dois últimos anos” vários atos governamentais, como a Emenda Constitucional 95/2016, que limitou por 20 anos os gastos públicos, e a reforma da Previdência, aprovada em outubro de 2019, representaram importante e enorme ataque aos direitos sociais, atingindo em cheio a vida dos idosos brasileiros. Estes atos, destacou Albamaria, fragilizaram o Estado brasileiro e estão em consonância com o pensamento de “órgãos como o FMI (Fundo Monetário Internacional), para quem o fenômeno do envelhecimento inviabilizaria o crescimento dos países”.

      Na sua opinião, a pandemia agravou “uma crise estrutural que já vinha atingindo todas as esferas da vida humana e do meio ambiente e, no caso brasileiro, aprofundou o quadro de pobreza e desigualdade, na medida em que fragilizou ainda mais os direitos dos trabalhadores, incluindo os idosos”.

      Em relação aos idosos, destacou que muitos deles “estão voltando ao mercado de trabalho para sustentar os filhos desempregados e os netos”. Ao contrário da visão tradicional, os idosos são essenciais para o funcionamento da economia, acrescentou. Albamaria citou a respeito a pesquisa que acaba de ser divulgada pela Fiocruz, evidenciando que 52,3% dos idosos tinham trabalho remunerado antes da epidemia (sendo portanto fundamentais para o sustento ou para a composição da renda familiar) e que 36% dos idosos que trabalham ficaram sem rendimentos ou tiveram grande diminuição em sua renda (aqui https://portal.fiocruz.br/noticia/covid-19-pesquisa-analisa-impacto-da-pandemia-no-trabalho-e-renda-da-pessoa-idosa)

Participantes da videoconferência

Desestruturação

A desestruturação do Estado brasileiro também foi citada por Socorro Morais, médica nutróloga e ginecologista, primeira Secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa. Para ela, a Covid-19 “expôs nossas vísceras, mostrando a desestruturação do Estado brasileiro para enfrentamento de uma pandemia desse porte, e sobretudo pela ausência de políticas efetivas para a pessoa idosa”. Ela destacou que de fato o país possui um arsenal de legislação referente à pessoa idosa, mas ainda carece de real investimento para garantia dos seus direitos.

     Socorro Morais lamentou que o país vivencie o ciclo de alguns avanços e depois de enormes retrocessos em termos das políticas para o idosos. Citou a respeito a Lei nº 13.797, sancionada em 3 de janeiro de 2019, pelo presidente da República, autorizando a pessoa física a realizar doações aos fundos controlados pelos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional do Idoso diretamente em sua declaração de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física. “Essa lei é fruto de uma luta de anos e, em seguida, vem o retrocesso da destituição do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa idosa”, protestou.

     Ela lembrou que, como Secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, procurou ajudar a construir, em conjunto com o CNDI e demais conselhos da Pessoa Idosa, “uma agenda nacional de políticas públicas para o envelhecimento e uma rede nacional de promoção dos direitos da pessoa idosa”.           

     Dessa forma, Socorro Morais salientou que “a sociedade civil deve arregaçar as mangas e se organizar, para reverter o processo” estabelecido com medidas como a destituição do antigo CNDI e as reformas que atingiram os direitos dos trabalhadores brasileiros. E defendeu que os idosos precisam ser vistos de fato como pessoas que “guardam o registro de nossa história, de nossa cultura”. E concluiu citando uma frase do Papa Francisco, para quem “onde não há cuidado com os idosos não há futuro para os jovens”.

Políticas intersetoriais

A efetivação de políticas intersetoriais, para a concretização dos direitos da pessoa idosa e população em geral, foi defendida por Marisa Accioly, assistente social, doutora em Saúde Pública, especialista em Gerontologia pela SBGG e Docente em Gerontologia na Universidade de São Paulo (USP).

       Ela assinalou ser muito relevante o conceito de que o envelhecimento ocorre ao longo de toda a vida e, por isso, são fundamentais as politicas intersetoriais em todas as fases de vida do cidadão, para que tenha um envelhecimento ativo e digno. E para isso, reforçou, são determinantes os investimentos públicos robustos. “Sem verba pública não se faz política pública”, advertiu. “E política pública deve ser monitorada e avaliada, para os ajustes necessários”, completou.

         Marisa Accioly ressaltou a importância do trabalho dos profissionais que atuam em centros-dia, casas de acolhimento, núcleos e outros espaços para os idosos. E também reiterou o papel central dos conselhos de direitos, que deveriam ser fortalecidos. “É muito importante a capacitação dos conselheiros”, observou. “O conselho é o lugar do idoso falando para o idoso, é o lugar de fala dele”, concluiu.

Exemplo de Campinas

Um exemplo de atuação de Conselho Municipal da Pessoa Idosa foi apresentado na videoconferência, com a participação do presidente do Conselho de Campinas (SP), Raphael Tannus. Ele também representa a Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa da OAB-Campinas.

      Tannus narrou o empenho do Conselho de Campinas, de uma forma transdisciplinar, pelo seu fortalecimento e pela implementação de ações como a instalação do primeiro Centro-Dia, no Jardim Icaraí. Essas ações são possíveis, comentou, em função da destinação de Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas para o Fundo Municipal do Idoso, que foi referência para órgãos semelhantes em outros municípios.

      O presidente do Conselho de Campinas também manifestou repúdio à destituição do CNDI que tinha sido eleito, pelo atual governo federal. “O Conselho deve ser paritário, representativo da sociedade civil e do governo”, frisou.

A posição do Conselho Nacional de Direitos Humanos

A destituição da diretoria eleita do CNDI foi igualmente contestada por Leonardo Pinho, vice-presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos  (CNDH)  e presidente da Unisol Brasil. Ele notou a respeito que o CNDH tanto não reconhece a atual diretoria do CNDI que mantém Lucia Secoti como representante do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa na Comissão de Participação Social.       Pinho pediu o empenho de toda a sociedade civil na contestação da Emenda Constitucional 95/2016, para que ela seja considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e solicitou a atenção para a campanha que vem sendo veiculada por organizações indigenistas, colocando o ancião no centro das atenções do combate à pandemia de Covid-19. “Para os povos tradicionais, o idoso, o ancião, é aquele que guarda os saberes que uma comunidade acumula, o que tem de mais valor. Assim deveria ser para toda a sociedade”, enfatizou Leonardo Pinho, na videoconferência que reforçou a esperança de novos tempos para as políticas públicas voltadas aos idosos no Brasil e, também, para os conselhos representativos da sociedade civil.  

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia Mais
Entrevista: Dr. Carlos Uehara e os 59 anos da SBGG