72ª Assembleia Mundial da Saúde, realizada em maio de 2019 e que aprovou a CID-11 (Foto OMS/V.Martin)

Lobby pela velhice como doença e protestos deixam OMS em xeque

Por José Pedro S.Martins

Nas últimas semanas cresceu de forma exponencial, no Brasil e em vários outros países, o movimento e o número de iniciativas contestando a classificação da velhice como doença. Resultado de um lobby no âmbito científico que envolveu vários atores, essa tipificação está prevista para ocorrer com a nova edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), que entra em vigor em janeiro de 2022. A dúvida está em se, em resposta à crescente resistência, a Organização Mundial da Saúde (OMS) vai rever essa classificação, que segundo diversas organizações, gerontólogos e outros especialistas provocará muita confusão em diagnósticos de doenças em idosos, além de alimentar os preconceitos contra esse segmento populacional em crescimento em países como o Brasil.

A manifestação mais contundente até o momento, contrária à classificação da velhice como doença, foi o pedido de demissão do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebrejesus, feito por organizações como a Confederação Espanhola de Associações de Idosos (CEOMA) e a Fundação Edad&Vida, também da Espanha. Os contrários à classificação consideram ser um enorme retrocesso para a luta por um envelhecimento ativo e saudável e uma contradição em relação a iniciativas como a Década do Envelhecimento Saudável, lançada pelas Nações Unidas para o período 2021-2030, e a publicação pela própria OMS, no início de 2021, de relatório denunciando o idadismo contra idosos.

A trajetória e o lobby por um conceito controverso

A defesa, por parte de alguns especialistas, de classificação da velhice como doença não é nova. Uma das vozes pioneiras nesse sentido foi Robert Perlman, que publicou em 1954 um artigo no Journal of American Geriatrics Society , denominado “The Aging Syndrome“, caracterizando o envelhecimento como “complexo de doenças”.

O tema continuou dividindo opiniões mas um grupo favorável à tese da velhice como doença sentiu a oportunidade de dar maiores passos durante o processo de formulação da décima primeira versão da CID. O primeiro lance nessa verdadeira partida de xadrez foi dado com a publicação a 18 de junho de 2015, na Frontiers in Genetics, do artigo “É hora de classificar o envelhecimento biológico como uma doença” (“It is time to classify biological aging as a disease”), por Sven Bylterrijs (da Faculdade de Ciências da Universidade de Ghent, na Bélgica), Raphaella Hull (da Fundação de Pesquisas em Biogerontologia e do Departamento de Bioquímica da Universidade de Oxford, Reino Unido), Victor Björk (do Instituto de Biologia da Universidade de Uppsala, Suécia) e Avi Roy (da Fundação de Pesquisas em Biogerontologia e do Instituto de Medicina Translacional, Escola de Ciências da Universidade de Buckingham, Reino Unido).

No artigo, os autores afirmam, na conclusão: “Acreditamos que o envelhecimento deve ser visto como uma doença, embora como uma doença que é um processo universal e multissistórico. Nosso sistema de saúde atual não reconhece o processo de envelhecimento como a causa básica das doenças crônicas que afetam os idosos. Como tal, o sistema é configurado para ser reacionário e, portanto, cerca de 32% dos gastos totais do Medicare nos Estados Unidos vão para os últimos 2 anos de vida de pacientes com doenças crônicas, sem qualquer melhora significativa em sua qualidade de vida (Cooper, 1996; Neuberg, 2009). Nosso sistema de saúde atual é insustentável tanto de uma perspectiva financeira e de saúde quanto de bem-estar. Mesmo a atenuação mínima do processo de envelhecimento, acelerando a pesquisa sobre o envelhecimento e o desenvolvimento de medicamentos geroprotetores e medicamentos regenerativos, pode melhorar muito a saúde e o bem-estar dos idosos e resgatar nosso sistema de saúde em falência”.

Logo em seguida, veio a publicação ainda em 2015 do artigo “Classificar o envelhecimento como uma doença no contexto da CID-11” (“Classifying aging as disease in the context of ICD-11”), por parte de Alex Zhavoronkov, diretor científico da Fundação de Pesquisas em Biogerontologia (The Biogerontology Research Foundation), de Oxford, Reino Unido, e Insilico Medicine Inc, Baltimore, MD, Estados Unidos, e Bhupinder Bullar, da Novartis Pharma AG, Department of Developmental and Molecular Pathways, Novartis Institute for Biomedical Research, Basel, Suíça.

A Novartis é uma das grandes indústrias farmacêuticas globais. O grupo de pesquisa de Bullar “trabalha para trazer novos compostos de baixo peso molecular, biológicos, alvos e biomarcadores para o pipeline de descoberta de medicamentos”, segundo sua biografia no Select BioSciences.  Além de diretor científico da Fundação de Pesquisas em Biogerontologia, Alex Zhavoronkov é o CEO da Insilico Medicine, empresa de biotecnologia fundada em 2014 e sediada em Hong Kong, que utiliza inteligência artificial e outros recursos tecnológicos em programas de pesquisa e desenvolvimento na indústria farmacêutica. “Nossa missão é acelerar a descoberta de medicamentos e o desenvolvimento de medicamentos inventando e implantando continuamente novas tecnologias de inteligência artificial. Fornecemos soluções de IA para as principais empresas farmacêuticas e de biotecnologia para permitir esforços simplificados de P&D e transformar a forma como as terapêuticas e materiais são descobertos”, afirma a empresa em seu site na Internet.

No artigo de 2015, Zhavoronkov e Bullar defendiam que “o envelhecimento é um processo multifatorial contínuo complexo que leva à perda de função e cristalização nas muitas doenças relacionadas à idade”. Os autores continuam afirmando: “Acreditamos que classificar o envelhecimento como uma doença com um conjunto de códigos “non-garbage” (por definição, códigos garbage, ou de causa básica pouco útil, são códigos da CID relativos a causas básicas de óbitos com diagnósticos indefinidos que não permitem identificar e planejar ações de saúde pública) resultará em novas abordagens e modelos de negócios para abordar o envelhecimento como uma condição tratável, o que levará a benefícios econômicos e de saúde para todas as partes interessadas. A classificação acionável do envelhecimento como doença pode levar a uma alocação mais eficiente de recursos, permitindo que os órgãos de financiamento e outras partes interessadas usem anos de vida ajustados pela qualidade (QALYs) e equivalentes de anos saudáveis (HYE) como métricas ao avaliar tanto a pesquisa quanto os programas clínicos”.

Os autores propunham a formação de uma Força-Tarefa para discutir o assunto com a OMS, “a fim de desenvolver um quadro multidisciplinar para classificar o envelhecimento como uma doença com múltiplos códigos de doença facilitando intervenções terapêuticas e estratégias preventivas”. Zhavoronkov e Bullar lembravam que uma Força-Tarefa para classificar a dor crônica como uma doença, no contexto da CID-11, havia sido formada pela Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) e defendiam então que “uma força-tarefa semelhante deve ser criada para interagir com a OMS na classificação do envelhecimento”.

Autor de muitos artigos científicos, Alex Zhavoronkov é articulista na Forbes, uma das principais publicações sobre negócios no mundo. É editor-associado da Frontiers in Genetics e co-fundador do “Annual Aging Research for Drug Discovery Forum”, realizado na Basiléia, Suíça, desde 2014. A Fundação de Pesquisas em Biogerontologia, da qual é diretor-científico, foi uma das autoras da proposta de classificação da velhice como doença, encaminhada à OMS, em parceria com o Conselho para Saúde Pública e Problemas e Demografia, sediado na Rússia, e a Aliança Internacional pela Longevidade (International Longevity Alliance), organização com centros em vários países e que tem em seu board, entre outros membros, Daria Khaltourina, a autora principal da proposta oficial submetida à OMS.

Socióloga, demógrafa e ativista em longevidade, entre outras funções ela é co-presidente da Coalizão Anti-Tabaco Russa e da Coalizão Russa para o Controle do Álcool e chefe do Grupo de Monitoramento de Riscos Globais e Regionais do Academia Russa de Ciências. Em seu site na Internet, a International Longevity Alliance inclui em sua história : “Em 2018, o ILA tem mais um impacto na política global de saúde. Em grande parte graças aos esforços dos especialistas e defensores da ILA, o envelhecimento é incluído como um modificador no sistema de Classificação Internacional de Doenças da OMS CID-11, o que pode encorajar o investimento e o foco para abordar os problemas de saúde relacionados ao envelhecimento”.

De fato a discussão avançou, com manifestações claras de forma contrária, como da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), que em 2017 divulgou nota oficial afirmando que “envelhecimento não é doença”. A SBGG se manifestou na ocasião, diante de declarações dadas à imprensa pelo pesquisador britânico Aubrey de Grey. Ele é conhecido pela teoria do envelhecimento provocado por radicais livres mitocondriais. Aubrey de Grey é membro do Conselho Consultivo da International Longevity Alliance, co-autora da proposta oficial de classificação da doença como velhice na CID-11.

Imagem de manifestação da SBGG contra a classificação de velhice como doença na CID-11

“Após tomar ciência de colocações infundadas sobre o envelhecimento, expressas pelo pesquisador inglês Aubrey de Grey, em entrevista cedida à imprensa, a SBGG compreende que é fundamental alertar a população para o fato de que interpretar a velhice como sinônimo de doença é uma visão ainda estigmatizada a ser combatida. Cada um dos indivíduos idosos, com suas características e eventuais limitações, merece respeito. Sem rótulos, sem estereótipos. Idosos com doenças crônicas podem, hoje, exercer integralmente sua cidadania. Isso é uma conquista social que precisa ser celebrada”, afirmou a SBGG, na nota assinada pelo seu então presidente, José Elias Soares Pinheiro, e por Claudia Fló, especialista em gerontologia e presidente do Departamento de Gerontologia da SBGG.

Na nota, a SBGG lembrou que o Conselho Federal de Medicina (CFM) havia publicado a Resolução 1999/2012, proibindo “a prática da denominada “medicina antienvelhecimento”, que se baseia em práticas questionáveis com o objetivo de retardar, modular ou prevenir o processo de envelhecimento”. 

Mas o processo continuou no âmbito da OMS e em 2018 a velhice como doença foi incluída como código de extensão para o item “Relacionado ao envelhecimento” (XT9T) na CID11, que textualmente estipula: “O envelhecimento significa “causado por processos patológicos que persistentemente levam à perda da adaptação do organismo e ao progresso em idades mais avançadas””. Finalmente, em maio de 2019 a CID-11, incorporando a classificação de velhice como doença, foi aprovada na 72ª Assembleia Mundial de Saúde. A previsão é de que entre em vigor em 1º de janeiro de 2022. Os países-membros das Nações Unidas têm autonomia para decidir sobre o prazo e formato de implementação da nova CID.

Objetivamente, a CID-11 prevê o código MG2A (relativo a “velhice sem menção de psicose; senescência sem menção de psicose; debilidade senil” (“old age without mention of psychosis; senescence without mention of psychosis; senile debility“). Com isso, o médico, ao assinar um atestado ou diagnóstico, pode considerar a velhice como a doença da pessoa em questão.

O QUE É A CID

A OMS descreve a CID como uma “base para a identificação das tendências e estatísticas de saúde em todo o mundo, e o padrão internacional para relatar doenças e condições de saúde”.  Seria então “o padrão de classificação diagnóstica para todos os fins clínicos e de pesquisa. A CID define o universo de doenças, transtornos, lesões e outras condições de saúde associadas, listadas da forma abrangente e hierárquica que permite”.

A primeira edição de classificação internacional de doenças, conhecida como Lista Internacional de Causas de Morte, lembra a OMS, foi adotada pelo Instituto Internacional de Estatística em 1893. “Desde então, a CID foi revisada e publicada em uma série de revisões para refletir avanços na saúde e na ciência médica ao longo do tempo. A décima primeira revisão tem sido uma dobra temporal – movendo a CID para o século 21, a era digital”, defende a OMS em seu site na Internet.

Desde 1948, quando foi criada, a OMS passou a ser responsável pela edição da CID. A primeira edição sob sua responsabilidade foi a de número 6. A CID-10, ainda em vigor, foi aprovada em maio de 1990 pela 43ª Assembleia Mundial da Saúde. “A CID-11 reúne as diferentes modificações e adaptações, adiciona necessidades clínicas e muito mais, migrando a CID de um mero quadro estatístico para uma classificação clínica para uso estatístico”, sustenta a OMS.

A formulação da CID-11, até a aprovação pela 72ª Assembleia Mundial de Saúde, envolveu vários grupos, sob a coordenação de uma Força-Tarefa liderada por Stefanie Weber, do German Institute for Medical Documentation and Information (DIMDI), de Colônia, Alemanha, e James Harrison, diretor do Centro de Pesquisa para Estudos de Lesões na Flinders University, de Adelaide, Austrália.

A POLÊMICA GANHA FORÇA COM A MORTE DO PRÍNCIPE

Apesar de nunca ter alcançado o consenso na comunidade científica, a caracterização da velhice como doença na próxima CID-11, devidamente aprovada pela Assembleia Mundial da Saúde em maio de 2019, estava passando praticamente desapercebida até o episódio da morte, aos 99 anos, no dia 9 de abril de 2021, do príncipe Philip, marido da rainha Elizabeth II, do Reino Unido. Como divulgou no dia 4 de maio o jornal The Telegraph, a causa da morte foi “idade avançada”, de acordo com o atestado assinado pelo médico Huw Thomas, líder da equipe médica que cuida da família real britânica. Algumas semanas antes do falecimento, no Castelo de Windsor, o príncipe havia sido submetido a uma cirurgia cardíaca.

A causa da morte chamou a atenção e o debate rapidamente incidiu sobre a classificação da velhice como doença pela CID-11. Os protestos aumentaram de forma crescente em vários países, inclusive no Brasil. Várias organizações científicas e da sociedade civil brasileira já se manifestaram a respeito, sempre com veemência contra a classificação.

Tendo defendido que a velhice não é doença, muito antes da decisão da Assembleia Mundial de Saúde, a SBGG tem promovido ampla discussão sobre o tema entre seus membros. “A SBGG entende a velhice como mais uma fase da vida e é absolutamente contra a nova classificação e está criando uma Comissão para discutir o assunto e produzir um dossiê com os conceitos da velhice e a importância de não ocorrer esse retrocesso, principalmente pelo incentivo ao etarismo”, anunciou a organização em seu site na Internet.

O ex-presidente da SBGG, Carlos Andre Uehara, participou de vários eventos online discutindo a questão. Para ele, a classificação da velhice como doença é “um retrocesso e reforça o estigma negativo do envelhecimento”. Como consequência, teme que “aumente o preconceito contra o idoso, o etarismo, e também a violência contra a pessoa idosa”, afirmou Uehara, em uma das lives promovidas pelo Canal O Que Rola na Geronto no Youtube, um dos principais espaços de debate sobre o assunto na Internet.

“Qualquer pessoa idosa classificada com o CID-11 poderá sofrer ainda mais preconceito, implicando em discriminação por idade (etarismo, idadismo, ageismo), em todos os domínios da vida”, alertou em nota oficial a Associação Nacional do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência (AMPID).

A AMPID continua alertando: “Se uma pessoa idosa, 60 anos ou mais, com algum agravo de saúde (pressão alta, diabetes, osteoporose) for simplesmente classificada pelo CID-11 e não pela doença que tem, todos os direitos fundamentais constantes do Estatuto do Idoso são afetados. Uma pessoa idosa que queria continuar trabalhando, por exemplo, certamente terá desvantagens de permanência no trabalho, se o profissional médico classificá-la com o CID-11”.

A Comissão de Bioética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também se manifestou contrariamente à classificação da velhice como doença na CID-11. “A Comissão de Bioética da CNBB tem claramente que envelhecimento faz parte da vida. Não é uma doença”, afirmou o médico geriatra e gerontólogo João Batista Lima Filho, membro da Comissão de Bioética e um dos idealizadores da Pastoral da Pessoa Idosa, em carta encaminhada à Presidência da CNBB.

No plano internacional já houve várias manifestações. Uma das mais recentes foi uma carta à OMS por John W.Rowe, presidente, e Toni C. Antonucci, secretário-geral, da Associação Internacional de Gerontologia e Geriatria (IAGG, na sigla em inglês). “O envelhecimento é globalmente aceito como um atributo humano normal e a longevidade como um privilégio. Enquanto a idade cronológica é um fator de risco conhecido para muitas doenças, é evidente que a idade cronológica per se é fenotipicamente muito heterogênea, com enorme variabilidade interindividual”, observam os signatários.

Os dirigentes da IAGG lembram que “na esteira da pandemia de COVID-19, violações flagrantes dos direitos humanos de idosos chamaram merecidamente a atenção global”. Para eles, esse fato “deve ser mantido em mente enquanto deliberamos sobre o assunto de incluir a velhice na CID-11 como paradigma”.

Rowe e Antonucci assinalam ainda que “o envelhecimento em humanos é altamente heterogêneo e sua variabilidade aumenta com o aumento da idade. Consequentemente, a idade cronológica é de utilidade limitada para diagnóstico, prognóstico e orientação de tratamento”.

“Velhice” é um termo relacionado à idade, com as ressalvas descritas acima e, portanto, não deve ser introduzido como um conceito na CID 11. Defendemos sua remoção da CID 11 proposta e sugerimos, em vez disso, considerar a inclusão de fragilidade como um conceito que é muito mais baseada em evidências”, acrescentam os gestores da IAGG.

Integrado por organizações de defesa dos direitos dos idosos de vários países ibero-americanos, o movimento Stopidadismo também tem se manifestado de modo contrário à classificação da velhice como doença. O movimento tem promovido ações, divulgadas por seu site e redes sociais na Internet, para manter o tema na agenda pública internacional.

Alexandre Kalache: “Poderíamos entrar em um período nebuloso” (Foto Divulgação)

CONFUSÃO CONCEITUAL

Um dos principais argumentos dos contrários à classificação da velhice como doença, além do incremento do preconceito, do idadismo condenado pela própria OMS, é a confusão conceitual que essa tipificação pode causar. A proliferação de diagnósticos apontando a velhice como causa do estado de saúde de uma pessoa poderia esconder as verdadeiras doenças que ela estaria sofrendo, gerando consequências negativas para as políticas públicas.

“Poderíamos entrar em um período nebuloso, não saberíamos mais que doenças estaremos enfrentando”, alertou em entrevista ao Portal Longevinews o gerontólogo Alexandre Kalache, que se tornou um dos principais porta-vozes do movimento que questiona a classificação. Presidente do International Longevity Centre Brazil (ILC-Brazil), Kalache é co-director da Age Friendly Foundation, de Boston, Estados Unidos. “Podemos ter daqui uns anos uma epidemia de velhice, é um absurdo”, protesta Kalache, observando que a melhoria da expectativa de vida foi uma grande conquista e que deve ser consolidada e ampliada.

Em sua opinião, a classificação estava de fato “passando sob o radar” até que aconteceu o episódio do falecimento do príncipe Philip e a velhice sendo apontada como a causa da morte. O fato chamou a atenção de muitos, remetendo para a classificação prevista na CID-11. Para Alexandre Kalache, a classificação da velhice como doença pode reforçar “a mensagem perversa de que o velho não serve para nada”, o que abriria as portas para vários tipos de abusos.

O gerontólogo e epidemiologista brasileiro é profundo conhecedor dos meandros da OMS. Ele dirigiu o Departamento de Envelhecimento e Saúde da organização e acredita que a OMS pode encontrar um meio de contornar o problema, diante da forte oposição que a classificação tem encontrado em todo mundo. Entretanto, defende que o movimento questionando a medida precisa continuar. “Não podemos baixar a guarda, temos que continuar defendendo nossas posições”, ele sustenta.

“É preciso falar sempre que ficar velho é bom, o ruim é morrer cedo”, conclui Kalache, que defende um maior investimento na capacitação de profissionais para enfrentar o irreversível processo de envelhecimento da população, inclusive para que possam executar diagnósticos reais da saúde da pessoa idosa, e não baseados em rótulos.

A discussão deve continuar e se acirrar até o final de 2021. A OMS tem afirmado que avaliações, críticas e sugestões de alteração da CID podem ser encaminhadas para o site http://icd.who.int. A Organização Mundial da Saúde garante que as observações são devidamente analisadas e consideradas para inclusão ou não. A grande indagação é se a OMS encontrará a tempo uma saída para a situação que se tornou uma contundente fonte de críticas à organização, ainda em plena pandemia de Covid-19, que teve como maiores vítimas fatais justamente as pessoas idosas.

Nota da redação: Medicare, citado no artigo “É hora de classificar o envelhecimento biológico como uma doença”, é o sistema de saúde em vigor nos Estados Unidos, que viabiliza o atendimento médico a cidadãos norteamericanos de 65 anos ou mais, que tenham contribuído para a sua manutenção através do pagamento de impostos por ao menos 10 anos. Jovens com deficiência ou insuficiência renal grave também são beneficiados. O sistema não cobre todas as modalidades de atendimento médico, como no caso de serviços de oftalmologia, odontologia e medicina preventiva. Em algumas situações, o paciente cobre parte das despesas com hospitalização, honorários médicos e/ou medicamentos.

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