Regina Márcia: por uma política intersetorial e multidisciplinar para a Terceira Idade (Foto Martinho Caires)

CIÊNCIAS HUMANAS PRECISAM SER OUVIDAS NO COMBATE À COVID-19, DEFENDE ANTROPÓLOGA REGINA MÁRCIA

     As Ciências Humanas e demais áreas do conhecimento precisam ser ouvidas para a definição de estratégias eficientes e amplas de combate à Covid-19, tarefa hoje muito centralizada nas Ciências Médicas. A opinião é da antropóloga Regina Márcia Moura Tavares. Para ela, a ação intersetorial e multidisciplinar é fundamental para tratar da temática do envelhecimento, que se tornou central para a civilização contemporânea, no contexto da pandemia que tem vitimado milhares de idosos em todo mundo.

      “É claro que a ação dos médicos, dos enfermeiros e profissionais da saúde em geral é essencial e deve ser celebrada e apoiada, mas para tratar de problema tão complexo é muito importante incorporar as ciências humanas, as ciências sociais”, sustenta Regina Márcia, em entrevista exclusiva ao Portal Longevinews.

       Entrevista necessariamente por telefone, em tempos do essencial isolamento social. Aos 79 anos de uma vida intensa, grande parte dela vivida em Campinas, interior de São Paulo, Regina Márcia diz que tem ocupado seu tempo de quarentena fazendo o que mais gosta, ler bastante e ouvir muita música, uma de suas paixões, ela que é uma aclamada cantora lírica e se formou em piano na juventude.

       Programa especial tem sido acompanhar, ao lado do marido, as emissões da The Metropolitan Opera, pelo site da companhia de Nova York na Internet (aqui). As apresentações da The Metropolitan Opera têm sido um bálsamo sobretudo para os moradores de uma das cidades mais castigadas pela Covid-19.

Políticas para a Terceira Idade

Regina Márcia Moura Tavares licenciou-se em 1964 em Ciências Sociais, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, realizando a pós-graduação em Antropologia na própria USP, sob orientação de Gioconda Mussolini. Depois complementou o conhecimento sobre a Evolução Humana em 2 anos de estágio nos Departamentos de Genética Humana e de Populações da Faculdade de Medicina e do curso de  Ciências Biológicas da Universidade.

      Em outubro e novembro de 1977, ela esteve na França para estudar o que era feito naquele país em políticas para a Terceira Idade. “Sempre me interessei, como antropóloga, pelas culturas da infância e da velhice”, ela explica.

      Na França, conheceu o trabalho que era desenvolvido no Centre Pluridisciplinaire de Gerontologie, na Universidade de Ciências Sociais de Grenoble, a Union Departamentale Iseroise D´Information et D´Action Gerontologique e a Faculté de Medicine de Grenoble.

     Nesses contatos já constatou a relevância do tratamento pluridisciplinar da temática do envelhecimento. Essa visão, ela explica, vem sendo cultivada por exemplo na França desde 1962, quando foi publicado o Relatório da Comissão de Estudos dos Problemas da Velhice, conhecido como Relatório Laroque, em função do nome do coordenador dos trabalhos, Pierre Laroque.

     O Relatório Laroque foi um divisor de águas, introduzindo o termo Terceira Idade e ressaltando a urgência de uma política intersetorial de inclusão dos idosos, até então marginalizados e geralmente destinados a instituições no final de suas vidas. Esse documento, destaca Regina Márcia Moura Tavares, influenciou na criação das Universidades de Terceira Idade (Universités de Troiasiéme Age) na França.   

      Em dez anos foram criadas 18 Universidades da Terceira Idade. Em 1975 o professor de filosofia da Universidade de Grenoble II, Michel Philibert, avaliando os resultados das Universidades da Terceira Idade, propôs a criação de um Centro Universitário Interidades (Centre Universitaire Inter-Ages), que de acordo com Regina Márcia foi inovador ao não considerar o idoso aposentado apenas como um estudante, que voltou para a escola após um tempo afastado.

      “Pelo contrário, o idoso deveria ser considerado como uma pessoa muito experiente e com um saber que deveria ser aproveitado, em interação com o conhecimento produzido na universidade. Todos sairiam ganhando”, comenta a antropóloga.

Regina Márcia: Terceira Idade precisa ser repleta de significados (Foto Martinho Caires)

      Essas duas referências, nota Regina Márcia, marcaram e ainda orientam o seu olhar sobre a Terceira Idade. “Em primeiro lugar, a visão multi e interdisciplinar. Olha que a política de terceira idade em Grenoble vinha tendo a importante contribuição de um grande filósofo. E em segundo lugar, a importância de que o saber do idoso seja levado em consideração. Ele não pode ser apenas o destinatário do que é praticado por exemplo em Universidades da Terceira Idade”, salienta.

      Pois justamente essas linhas conceituais não vêm sendo observadas em políticas para a Terceira Idade no Brasil, e muito menos no caso das ações de combate ao novo coronavírus, ela lamenta. “É importante considerar a visão intersetorial, por exemplo das Ciências Humanas, e também o saber dos idosos”, reitera. Ela lembra que estudos científicos já demonstraram que no combate ao Ebola na África foi determinante o conhecimento milenar das sociedades ágrafas que ainda existem naquele continente. “São comunidades que há muitos séculos convivem e enfrentam adversidades, é claro que o seu conhecimento deve ser levado em consideração”, completa a antropóloga.

Expectativa de vida

O aumento da expectativa de vida, continua Regina Márcia Moura Tavares, é uma das importantes conquistas da civilização contemporânea. Com os avanços científicos, a melhoria do saneamento e ações em saúde pública, a expectativa de vida, que era de 40 anos no início do século 20, já supera os 60 anos no início do século 21, isso de forma global. No Brasil, a expectativa de vida já é de mais de 76 anos (quase 80 anos para as mulheres).

     Esse aumento da expectativa de vida, entretanto, não vem sendo acompanhado das necessárias políticas públicas para que os idosos tenham uma vida digna, alerta a antropóloga. “Sempre me interessei muito pela antropologia física, por isso estudei genética, paleontologia. E o que eu noto é que o ser humano, um mamífero, um macaco, é fruto de uma evolução como tudo na natureza. O ser humano tem evoluído e aumentado sua longevidade, mas é preciso um conjunto de ações para que essa terceira idade seja digna, seja repleta de significados”, conclui Regina Márcia Moura Tavares, esperando que com a pandemia, e depois dela, as necessárias políticas intersetoriais, multidisciplinares, para o envelhecimento ativo sejam formuladas e praticadas de fato, sobretudo em um país como o Brasil.

     Regina Márcia trabalhou como professora e em cargos de direção por 30 anos na Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Tem uma forte atuação na área de proteção do patrimônio histórico, material e imaterial. Em 2019 lançou a Cartilha de Educação Patrimonial – Memória e Patrimônio em eventos como palestra na Casa de Vidro, em Campinas, durante a 13ª Primavera dos Museus.      

      Na cartilha, entre outros pontos, destaca a relevância dos brinquedos e brincadeiras como um precioso patrimônio imaterial da humanidade. Regina Márcia tem uma luta antiga nesse campo. Em 1990, suas ações receberam o selo Década Cultural Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), o principal órgão que cuida do patrimônio cultural em nível mundial. Em 1994 a antropóloga organizou o I Encontro Latino-Americano de Brinquedos e Brincadeiras Tradicionais, em Campinas.

  1. Postura humanística de uma profissional com brilhante currículo, invejável trajetória acadêmica e riquíssima produção intelectual.
    Dotada de sensibilidade ímpar, com desenvoltura, transitou por diversas áreas do conhecimento.
    Uma voz respeitada a ser ouvida e acatada.
    Cumprimento-a pela brilhante iniciativa.
    Saudoso abraço

  2. Fantástica entrevista dessa antropóloga e qualificada mulher! Fui sua aluna de Antropologia e sei o quanto ela reúne de conteúdo, DIDÁTICA,cultura e o que é melhor: uma preocupação oportuna com extremos: o futuro e a experiência!!!

    Parabéns!!!4

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