Participantes da live quelançou o movimento #stopidadismo

Organizações iberoamericanas somam forças contra o idadismo letal para os idosos

Organizações de vários países iberoamericanos estão somando forças para lutar contra o idadismo, uma das modalidades contemporâneas de preconceito, que tem sido letal para os idosos e também atinge os jovens, como demonstrou recentemente um relatório da Organização Mundial da Saúde. O sinal de partida para a construção de uma Liga Iberoamericana contra o Idadismo foi dado com uma live no último dia 30 de abril, sexta-feira, por ocasião do lançamento do movimento #stopidadismo. A live (gravação disponível aqui) teve a participação de representantes de organizações integrantes do movimento e convidados especiais.

Na abertura da live, coordenada pela jornalista portuguesa Ana Carrilho, da Rádio Renascença, o diretor da Revista Envelhecer e presidente das Obras Sociais de Viseu, José Carreira, leu um depoimento do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, saudando o lançamento do movimento contra o idadismo.

Carreira também apresentou os propósitos do movimento #stopidadismo. Ele acentuou que o idadismo emerge como uma das três grandes formas de preconceito contemporâneo, ao lado do sexismo e do racismo. E destacou que a união de organizações dos dois lados do Atlântico será fundamental para as estratégias e ações contra o idadismo.

Por sua vez, a representante da ASISPA, da Espanha, Laura Cañete, evidenciou que um dos grandes desafios do movimento será tornar mais conhecida a própria palavra idadismo e o seu significado. O idadismo, alertou Laura, é uma atitude que muitas vezes é internalizada e tornada natural nos hábitos e gestos de qualquer pessoa. Ela citou várias ações que a ASISPA já realizou para promover uma reflexão mais abrangente sobre o idadismo, como mesas de discussão e maratonas de rádio.

Idadismo institucional e na propaganda

Também participou da live a secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade de Portugal, Rosa Monteiro. Ela também aplaudiu a união de forças contra o idadismo, que na sua opinião apenas será superado com a desconstrução de muitos conceitos e estereótipos arraigados. A secretária de Estado lembrou que a dimensão da desigualdade não deve ser desconsiderada, ao fazer com que o idadismo e outras modalidades de discriminação e preconceito atinjam e prejudiquem mais umas pessoas que as outras.

O idadismo também é institucional, lembrou Rosa Monteiro. Ela assinalou que expressões da cultura contemporânea, como a propaganda, continuam glorificando a juventude, o que deve merecer especial reflexão. E protestou contra o fato de que “muitas narrativas idadistas têm sido propagadas durante a pandemia de Covid-19”.

Outro convidado especial a participar da live foi o assessor de comunicação das Nações Unidas em Portugal, António Ferrari. Ele resumiu algumas das ações já realizadas no âmbito da ONU relacionadas ao fenômeno do envelhecimento, como a primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, em 1982. Em 1999, por sua vez, aconteceu o Ano Internacional da Pessoa Idosa, e em abril de 2002, em Madri, a segunda Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento. Nesse evento foi aprovado o Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, com uma série de diretrizes.

O tema do envelhecimento ganha cada vez mais espaço nas Nações Unidas, ressaltou António Ferrari, considerando a própria dinâmica populacional em curso. As pessoas com mais de 60 anos somam atualmente 1 bilhão no mundo e serão 2 bilhões em 2050 e 3 bilhões até o final dos século, destacou o assessor da ONU.

Ferrari frisou ainda que a temática tende a adquirir maior consistência com a Década do Envelhecimento Saudável, que será implementada entre 2020 e 2030. E, recentemente, a OMS, em conjunto com outras agências do Sistema das Nações Unidas, lançou o citado Relatório Global sobre Preconceito de Idade, que entre outras conclusões afirma que uma em cada duas pessoas do mundo discrimina idosos. A OMS faz, então, um apelo para o combate urgente ao idadismo. António Ferrari sublinhou que os meios de comunicação terão papel central nesse enfrentamento que tem que ser global.

Alexandre Kalache: idadismo contra idosos é maléfico e mata

Idadismo estrutural, segundo Kalache

O “idadismo institucional, estrutural, incorporado na forma como os serviços são prestados aos idosos, em como a sociedade os discrimina, minando a sua autoestima e autoconfiança, levando à internalização do próprio preconceito” foi repudiado, na live de lançamento do movimento #stopidadismo, pelo médico gerontólogo e epidemiologista brasileiro Alexandre Kalache, consultor das Nações Unidas para questões do envelhecimento e uma das principais referências no tema.

Kalache esclareceu de início que não iria se pronunciar como ex-diretor do Programa da OMS sobre Envelhecimento, ou como fundador do Departamento de Epidemiologia do Envelhecimento da London School of Hygiene and Tropical Medicine. “Vou falar como uma pessoa idosa, que não tem o menor pudor em dizer isso e cujo papel hoje é esse, dar voz ao idoso”, salientou.

Kalache recordou que Cícero, há 2 mil anos, já alertava que não havia nada errado com o envelhecimento, mas sim com a atitude em relação a ele. “Ele advertia aos jovens que os idosos já tinham superado o grande desafio que é envelhecer e que eles, jovens, não sabem se vão envelhecer. Olha que sabedoria”, comentou.

Dois séculos depois, acentuou, apareceu uma nova grande obra sobre o envelhecimento, o livro “A Velhice”, de Simone de Beauvoir. “O livro nos inspira a fazer uma ressignificação da velhice, a ver no jovem de hoje o idoso de amanhã. Que o jovem tem o grande privilégio de um dia poder envelhecer e que a outra opção, morrer antes, não nos serve”, disse Kalache, observando ainda que a filósofa francesa também introduz a perspectiva de gênero na reflexão sobre a velhice. “Na mulher idosa os preconceitos se somam, de ser do gênero feminino e idosa”, resumiu.

Em 1969, no auge da revolução da contracultura, um novo salto foi dado na discussão sobre o envelhecimento, lembrou Kalache, quando Robert Butler cunhou o termo “Ageism” e ou “Idadismo”, caracterizado como o processo sistemático de discriminação, preconceito e estereotipização de um grupo de pessoas, sobretudo da população idosa. Butler, continuou Kalache, fundou o International Longevity Center (ILC), que se tornou referência mundial no tema e do qual o próprio Kalache é o presidente no Brasil.

Observando que o sexismo e o racismo são termos já devidamente incorporados e assimilados no vocabulário anglosaxão e latino, Kalache acentuou que de fato representa um grande desafio em si difundir o sentido da palavra idadismo. E, mais do que isso, o grande desafio é superá-lo, na medida em que “muitas vezes é internalizado, se manifestando por exemplo nas piadinhas sobre idosos”.

No caso brasileiro, advertiu o médico gerontólogo, a questão do idadismo deve ser “contextualizada na maior crise sanitária do século”, a pandemia de Covid-19. Há dois meses, lembrou, eram 250 mil mortos pelo Sars-CoV-2. Agora já são mais de 400 mil, e em sua maioria idosos. “E neste momento é negado às pessoas o direito à dor, a sociedade finge não estar traumatizada pela crise sanitária, moral e ética que o Brasil está passando”, protestou.

Kalache lamentou que, ao contrário de Portugal, cujo presidente faz a saudação do lançamento do movimento #stopidadismo, “no Brasil o presidente da República faz chacota, reage à pandemia com expressões como e daí?, quer que eu faça o que?”. Além disso, Kalache lamenta que, nas afirmações do presidente brasileiro, “os preconceitos se sobrepõem por exemplo quando ele fala que o coronavírus deve ser enfrentado como homem, não como maricas, ou seja, além do idadismo, há o sexismo, a homofobia”.

O especialista brasileiro lembrou ainda que recentemente o poderoso ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, atribuiu ao aumento da expectativa de vida a situação da Saúde no país. “Todo mundo quer viver 100 anos, 120, 130 (anos), não há capacidade de investimento para que o Estado consiga acompanhar” as demandas na Saúde, afirmou o ministro, em Brasília, no dia 27 de abril, três dias antes, portanto, do lançamento do #stopidadismo. “O ministro tem 71 anos e faz uma declaração profundamente idadista”, lamentou Kalache.

Para enfrentar o idadismo, Kalache entende que deve ser seguida a inspiração de Angela Davis, ao afirmar que “não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”. Então, para Kalache, “não basta não ser idadista, é preciso ser antiidadista, o que significa autoanálise, introspecção, para vermos se nós mesmos não estamos com um atitude preconceituosa e estereotipada”.

O especialista ressaltou ter dirigido aos responsáveis pela redação do Relatório Global sobre Preconceito de Idade a crítica de que o documento colocou no mesmo pé de igualdade o idadismo contra idosos e jovens. “É claro que existe idadismo contra jovens, mas não tem o mesmo peso, a mesma força que o preconceito contra os idosos, não é tão maléfico, pernicioso, pois provoca muitas mortes em idosos que não são devidamente tratados e acolhidos”.

Como Rosa Monteiro, Alexandre Kalache também chamou a atenção da desigualdade que acentua o impacto do idadismo contra idosos. “Ao lado de São Conrado, no Rio de Janeiro, que tem o metro quadrado mais caro da América Latina, está uma favela onde a expectativa de vida é 20 anos menor do que a média brasileira e onde as taxas de tuberculose, por exemplo, são altíssimas. Se o idadismo pode atingir a todos, com certeza ele atinge mais os pobres e os negros, os que estão mais sofrendo com a pandemia de Covid-19”, completou.

Alexandre Kalache aplaudiu a união de forças de organizações de vários países contra o idadismo e lançou a ideia de constituição de uma Liga Iberoamericana contra o Idadismo. A ideia foi recebida com simpatia pelos membros do movimento #stopidadismo, cujos próximos passos podem ser acompanhados nas redes sociais e no site próprio: www.stopidadismo.pt

Testemunhos

Uma das ações propostas pela campanha é o de recolher testemunhos sobre uma das causas de marginalização mais comuns no mundo: a discriminação em função da idade. Reunir, compartilhar depoimentos e sensibilizar as pessoas são as melhores estratégias para pôr termo a esse tipo de preconceito e construir uma comunidade para todas as idades.

Para participar, basta gravar com celular um vídeo de curta duração, preferencialmente com a tela na horizontal, respondendo em seu depoimento a três perguntas:

1. Alguma vez foi discriminado pela idade? 2. Que razões podem motivar essa discriminação? 3. Como podemos combater o idadismo?

Os vídeos e outras manifestações de apoio devem ser encaminhados para o endereço info@stopidadismo.pt e serão publicados no site próprio do movimento (www.stopidadismo.pt). Podem também ser compartilhadas nas redes sociais com as hashtags #StopIdadismo #VamosFalarDeIdadismo #AWorld4AllAges #StopEdadismo #UmMundoParaTodasAsIdades

Assista aqui ao vídeo contendo as orientações da campanha e participe!

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