Convenção Interamericana volta à Ordem do Dia da Câmara dos Deputados (Foto Adriano Rosa)

Pessoas Idosas: Convenção Interamericana volta à pauta da Câmara dos Deputados

Campinas, 10 de agosto de 2023 – Depois de anos parado, o Projeto de Decreto Legislativo 863, de 2017, voltou à Ordem do Dia da Câmara dos Deputados. O Projeto estipula a ratificação da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas.  Como o Portal Longevinews noticiou, a 3 de outubro de 2022, o Brasil foi o primeiro país a assinar a Convenção mas é um dos que ainda não a ratificaram, em prejuízo da proteção dos direitos das pessoas idosas no país.

O Brasil assinou a Convenção, no dia 15 de junho de 2015, mas com a não-ratificação ainda não houve a internalização dos princípios previstos no instrumento jurídico. Depois da assinatura, o envio da Convenção, pela Presidência da República do Brasil, para o Congresso Nacional, aconteceu somente no dia 25 de outubro de 2017, através do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha.

       A mensagem do Poder Executivo recebeu parecer favorável da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e foi transformada no Projeto de Decreto Legislativo 863/2017. No dia 7 de fevereiro de 2018 foi encerrado o prazo de vistas ao processo.

       Posteriormente, o Projeto foi aprovado pela  Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania e pela Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, encontrando-se sujeito à apreciação do Plenário desde 28 de novembro de 2018, dependendo de decisão da Mesa Diretora dessa casa legislativa.

Agora o PDC 863/2017 voltou à Ordem do Dia, após intensa mobilização das organizações de defesa dos direitos das pessoas idosas e do encaminhamento, pelas deputadas Dayany Bittencourt (UNIÃO/CE) e Luiza Erundina (PSOL-SP), de requerimentos solicitando a retomada da tramitação da propositura. O requerimento 2336/2023 foi apresentado no dia 01 de agosto de 2023. No dia 10 de agosto o deputado Castro Neto (PSD-PI) foi designado relator da matéria.

Imediatamente foi deflagrado um movimento visando o apoio popular à ratificação imediata da Convenção Interamericana. Pessoas interessadas podem assinar a petição no link https://secure.avaaz.org/community_petitions/po/lideranca_partidaria_na_camara_dos_deputados_camara_dos_deputados_ratifique_a_convencao_que_protege_as_pessoas_idosas_do_brasil/?cQsjZab&utm_source=sharetools&utm_medium=copy&utm_campaign=petition-1706234-camara_dos_deputados_ratifique_a_convencao_que_protege_as_pessoas_idosas_do_brasil&utm_term=cQsjZab%2Bpo

Convenção Interamericana

Convenção Interamericana é o primeiro tratado internacional vinculante regulando de forma completa e sistemática os direitos da pessoa idosa. Entre outros dispositivos, a Convenção estipula, através do Sistema de Petições Individuais, que qualquer pessoa, grupo de pessoas ou organização não-governamental, legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização dos Estados Americanos, pode apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições que contenham denúncias ou queixas de violação de algum dos artigos da Convenção por um Estado Parte.

      Em seus 41 artigos, a Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas estabelece uma série de direitos que os Estados que ratificaram o documento devem observar em relação a esse contingente populacional. Assim, se uma pessoa, grupo de pessoas ou organização considerar que um desses artigos vem sendo desrespeitado pelo seu país, pode encaminhar uma petição à CIDH.

         A Convenção evidencia por exemplo o direito da pessoa idosa “à igualdade e não discriminação por razões de idade” (art.5), “à vida e à dignidade na velhice” (art.6), “à independência e à autonomia” (art.7), “à participação e integração comunitária” (art.8), “à segurança e a uma vida sem nenhum tipo de violência” (art.9), “à liberdade de expressão e de opinião e ao acesso à informação” (art.14), “à seguridade social” (art.17), “ao trabalho” (art.18), “à saúde” (art.19), “à educação” (art.20), “à cultura” (art.21) e “a um meio ambiente sadio” (art.25), entre outros.

       Ex-Secretária Nacional da Promoção Social, a assistente social Albamaria Abigalil trabalha há vários anos com a temática do envelhecimento. Máster em Gerontologia pela Universidade Europeia de Madri, ela integrava o Conselho Nacional e Defesa dos Direitos das Pessoas Idosas (CNDI) quando o Brasil teve ativa participação no processo de estruturação e aprovação da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas. Hoje, Albamaria integra o Núcleo de Estudos e Políticas Social-NEPPOS -UNB e o Grupo de Trabalho de Encelhecimento Saudável e Participativo GETESP -UNB.

     Ela comenta o significado e a importância do documento: “A Convenção reafirma a mudança de paradigma do processo de envelhecimento, anteriormente concebido na perspectiva biológica, centrada na doença, para a perspectiva da cidadania, do acesso aos direitos e à educação continuada, no curso da vida, na definição clara do papel do Estado, da pessoa idosa, da família, da sociedade, bem como da necessidade de garantir o Sistema de Proteção Social, de Seguridade Social, com políticas de Estado, não de governo, e de caráter universal. Reafirma ainda a dimensão hemisférica de todos os países envolvidos, assegura a plena vigência dos direitos das pessoas idosas, considerando suas necessidades humanas e especificidades, quer sejam de gênero, raça, etnia, classe social ou renda”.

       Com a entrada em vigor da Convenção, continua Albamaria, os Estados membros “devem adotar medidas para efetivarem os direitos das pessoas idosas, quer no âmbito da legislação, quer na perspectiva da reestruturação de um Sistema de Proteção Social, de uma Rede de Defesa e de Proteção dos Direitos das Pessoas Idosas, com financiamento das políticas sociais na ótica do investimento social, na perspectiva do envelhecimento digno, saudável, ativo e cidadão para esta e para as demais gerações”.

Albamaria Abigalil: Convenção representa importante mudança de paradigma (Foto Divulgação)

Dessa forma, ela continua, “pode-se afirmar que a Convenção traz clareza e assegura direitos às pessoas idosas, em uma perspectiva de Seguridade Social ampliada, com acesso às políticas sociais e a financiamento adequado para as políticas de saúde, previdência, assistência social, trabalho, educação continuada no curso da vida, lazer e cultura. Sinaliza a questão da intersetorialidade e integração das políticas sociais, da atenção básica e especial na saúde e na assistência social, do cuidado humanizado para as pessoas idosas, suas famílias, seus cuidadores formais e informais, seus familiares, inclusive nos âmbitos institucional e/ou societário”.     

Albamaria completa: “A Convenção reforça as obrigações jurídicas, de todos os entes envolvidos, em especial o Estado, de garantir, respeitar, promover e efetivar os direitos humanos das pessoas idosas, como caberá a estas a luta pela efetivação desses direitos.  A adesão, sansão e ratificação dos países, implicará na obrigação dos Estados participantes adotarem e implementarem Redes de Defesa e Proteção, com políticas sociais e financiamento adequados, com intuito de garantir à pessoa idosa um tratamento diferenciado e preferencial em todos os âmbitos”.

        Prejuízo pela não-ratificação – Para muitos observadores, o alto número de mortes de pessoas com 60 anos ou mais durante a pandemia é um dos indicadores comprovando que grande parte desses direitos não é observada no Brasil. “A pandemia do Covid-19 revelou com enorme clareza como ela se abateu justamente contra os idosos, cujo atendimento médico foi o mais insuficiente e frágil, com reflexo na imensa maioria dos mortos”, lamenta Paulo Sergio Pinheiro.

Albamaria Abigalil lembra, por sua  vez, que segundo dados da Fiocruz “estima-se que 72% dos óbitos correspondem a pessoas idosas, e de cada cinco mortes quatro poderiam ter sido evitadas”. Além disso, prossegue a especialista, “foi comprovado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que 50% das pessoas idosas sustentaram filhos e netos desempregados com suas parcas aposentadorias, pois cerca de 61% das pessoas idosas no Brasil são seguradas do Regime Geral da Previdência Social, recebendo até um salário mínimo e meio. Outra questão crucial é que 81% das pessoas idosas dependem do Sistema Único de Saúde (SUS), que, apesar dos esforços e da dedicação imensurável dos profissionais da saúde e de todos os demais, estava com dificuldades de vagas em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), respirador, medicamentos e vacinas em tempo hábil, levando os profissionais a fazerem, na maioria das vezes, a chamada “escolha de sofia” na atenção aos cidadãos. Presenciamos pessoas idosas cuidando de pessoas idosas, sendo as mulheres as mais sobrecarregadas na função de cuidar, trabalhar acumulando três ou quatro jornadas diárias, além da sobrecarga de trabalho dos cuidadores formais, informais e familiares”, lembra Albamaria, que apresenta em sua trajetória a participação ativa na elaboração e implementação da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) – Lei 8.742 de 1993, da Política Nacional de Atenção à Pessoa Idosa – Lei 8842/94, do Estatuto da Pessoa Idosa – Lei 10.793/2003 e na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).  

Albamaria afirma entender que, “se tivéssemos a Convenção aprovada, o Conselho Nacional de Defesa de Direitos das Pessoas Idosas legítimo, teríamos um instrumento juridicamente vinculante que nos fortaleceria para o exercício de nossa cidadania, do controle democrático junto às autoridades ,  instituições e poderes  competentes, embora muitos movimentos sociais, fóruns e Conselhos — a exemplo do Conselho Nacional de Saúde e do Movimento Nacional de Direitos Humanos — tenham se mobilizado para enfrentar tal situação”.

O Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Idosas foi extinto, junto com outros órgão colegiados com perfil participativo, como um dos primeiros atos do presidente Jair Bolsonaro, quando assumiu o cargo em janeiro de 2019. Agora o Conselho foi retomado, com nova configuração no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Entretanto, apesar da mobilização de entidades e lideranças do setor, o Conselho original, deposto por Bolsonaro, não foi reconduzido pelo governo Lula, a exemplo do que ocorreu com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA).

     Outros indicadores confirmam a grave situação social da pessoa idosa no Brasil. Em 2020, 69% da população idosa recebia até dois salários mínimos por mês, contra 59% da população em geral, segundo a Pesquisa Idosos no Brasil, realizada pelo Serviço Social do Comércio (SESC) e Fundação Perseu Abramo.

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