COP 27 no Egito reúne chefes de Estado e governo e ativistas de todo o mundo (Foto de IISD/ENB | Mike Muzurakis)

COP 27 NO EGITO REPETE LACUNAS NO DEBATE SOBRE CLIMA E PESSOAS IDOSAS

Por José Pedro Soares Martins

Entre os dias 6 e 18 de novembro a cidade de Sharm El Sheikh, no Egito, está recebendo a 27ª Conferência das Partes (COP 27) da Convenção das Mudanças Climáticas. A COP 27 abriga em suas programações oficial e paralela um elenco de eventos refletindo o justo debate sobre a grave crise climática global na perspectiva de gênero, etnias e outras dimensões, mas permanece a lacuna sobre a abordagem do tema em termos dos impactos do aquecimento global na população idosa, contrariando recomendações feitas por agências do próprio sistema das Nações Unidas.  A população idosa, um dos contingentes de maiores taxas de crescimento demográfico no mundo, é um dos grupos mais vulneráveis às mudanças climáticas, como vem alertando a própria Organização Mundial da Saúde (OMS).

       A COP 27 é mais uma tentativa de pacto na comunidade internacional pela redução das emissões de gases que agravam o efeito estufa e provocam o aquecimento global, gerando mudanças climáticas de resultados cada vez mais catastróficos. Somente neste ano de 2022 foram registradas enchentes gigantescas na região de Petrópolis, no Rio de Janeiro, enquanto um terço do território do Paquistão foi inundado, provocando o deslocamento de mais de 30 milhões de pessoas. Por outro lado, a Europa atravessou uma seca histórica, com temperaturas recordes e incêndios devastadores.

       De modo específico, a COP 27 está buscando um consenso sobre a forma de implementação de mecanismos para o cumprimento do Acordo de Paris, firmado em 2015 na COP 21, na capital francesa, e que prevê a meta de aumento da temperatura média na superfície da Terra em não mais que 1,5 grau nas próximas décadas. O maior impasse está em como reduzir as emissões de gases como o dióxido de carbono (CO2) derivadas da queima de combustíveis fósseis como petróleo, carvão e gás, largamente utilizados pelas economias mais ricas, como China, Estados Unidos e Europa. Estes são os maiores emissores de gases de CO2 equivalente.

      Na abertura da COP 27, o secretário geral da ONU, o português António Guterres, de 73 anos, alertou que “estamos na estrada para o inferno climático”, comentando sobre o fracasso até o momento de efetivas reduções das emissões atmosféricas. Foi mais um grito de alerta, sobre o tempo que está se esgotando para a comunidade internacional encontrar uma saída concreta para a emergência climática.

Consequências para as pessoas idosas

A programação oficial da COP 27 começou com o encontro de chefes de Estado e governo, nos dias 7 e 8 de novembro, muitos deles participando da Cúpula de Implementação Climática. Abrindo o evento, o presidente do Egito, Abdel Fattah El-Sisi, 67 anos, pediu que os planos de enfrentamento das mudanças climáticas priorizem o desenvolvimento dos países pobres, principalmente os africanos. Também participou o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, 74 anos, referência global no enfrentamento das mudanças climáticas, idealizador do documentário “A verdade inconveniente”. Ele defendeu o “fim do colonialismo dos combustíveis fósseis” e reformas no Banco Mundial.

Conferências oficial e paralela tem programação com dezenas de eventos (Foto de IISD/ENB | 
Mike Muzurakis)

       Entre 9 e 17 de novembro serão promovidos os Dias Temáticos na programação oficial, sobre as mudanças climáticas na perspectiva ou em sua relação com as Finanças, Ciências, Juventude, Descarbonização, Adaptação e Agricultura, Gênero, Água, Sociedade Civil, Energia, Biodiversidade e, finalmente, o Dia das Soluções.

      Na programação paralela estão previstas dezenas de eventos, basicamente sobre os temas citados. Nenhum deles tem relação direta com a questão das mudanças climáticas na perspectiva das pessoas idosas.

        “É extremamente importante a discussão de clima para alguns segmentos especiais da sociedade, como idosos, crianças, e no caso de nosso país, o Brasil, é um debate urgente”, sustenta o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini. O Observatório do Clima foi fundado em 2002 e é composto por 77 organizações ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Na COP 27, o Observatório do Clima é um dos organizadores da série de eventos promovidos pelo Brazil Climate Action Hub.

       Astrini nota que o aquecimento global, no caso do Brasil, pode resultar em estresse de temperaturas médias, principalmente para as regiões Norte e  Nordeste, “causando debilidade na saúde, especialmente de idosos e crianças”.

         Ele cita estudos mostrando que o aquecimento acelerado do planeta, como indica a atual curva de aumento das temperaturas, pela não-redução das emissões, levará de fato a “um estresse de temperatura com aumento de doenças infecciosas, como zika, dengue e Chikungunya, que acometem pincipalmente esses públicos de crianças e idosos”. O secretário-executivo do Observatório do Clima alerta que esse estresse das temperaturas “pode levar muitas dessas pessoas à morte”.

       “Teremos um problema de saúde pública muito grande na medida do crescimento das temperaturas e  então a atenção a essas populações é urgente”, sustenta Astrini. Ele entende que o debate a respeito deve estar presente tanto nas questões de mitigação, ou seja, de como as emissões podem ser reduzidas, quanto naquelas de adaptação às mudanças climáticas. “É preciso discutir como será feita a adaptação para o atendimento a esses públicos na área da saúde. Precisa ser feito. Essa discussão já ganhou avanço em outros setores, como os de juventude, da população indígena, das populações tradicionais locais, como de pescadores, de países de extrema vulnerabilidade, mas precisa avançar mais em relação a idosos e crianças, ainda muito ausentes nessas conferências”, acrescenta Márcio Astrini.

Faltam estudos e esclarecimento no Brasil

       O secretário-executivo do Observatório do Clima acredita que um dos ingredientes necessários para incrementar a discussão sobre mudanças climáticas na perspectiva das pessoas idosas é o aumento da produção de estudos a respeito. “Anda faltam no Brasil muitos estudos. Os estudos que temos são  muito iniciais, não trazendo em profundidade os reais impactos das mudanças climáticas no país, divididos por populações e regiões. Temos algumas amostras desse conhecimento, mas precisamos de mais informação e deixar tudo mais claro para   a população. Precisamos uma verdadeira campanha de esclarecimento para a população e para as autoridades”, afirma.

Márcio Astrini na COP 27: mudanças climáticas agravam desigualdade que atinge pessoas idosas (Foto Solange Barreira/Observatório do Clima)

         Astrini considera que “o quadro social no Brasil é muito grave, uma situação de emergência, com muitas pessoas passando fome, no desemprego, e com as mudanças climáticas a situação pode ficar ainda pior”. Ele continua afirmando que as mudanças climáticas “podem colocar a desigualdade existente no Brasil em patamares mais elevados, atingindo em cheio a população idosa, que normalmente fica desassistida, com perda de renda, e pode ser ainda mais castigada com os efeitos da crise do clima”. Em síntese, conclui, “precisamos mais estudos, mais conhecimento, e também disseminar o conhecimento e cobrar das autoridades políticas públicas de atendimento a essa população”.

Envelhecimento negligenciado

     A posição de Márcio Astrini está em sintonia com documentos e posições de órgãos do próprio sistema das Nações Unidas. “As pessoas mais velhas têm sido negligenciadas nos estudos sobre mudanças climáticas, e a negligência deve ser corrigida no contexto da megatendência do rápido envelhecimento da população em toda parte”, afirma o documento “A década da ONU pelo Envelhecimento Saudável 2021-2030 em um mundo com mudanças climáticas”.

        Publicado em janeiro de 2022, o documento foi produzido como uma colaboração entre a Unidade de Mudança Demográfica e Envelhecimento Saudável, a Unidade de Mudanças Climáticas e Saúde e o Envelhecimento e a Unidade de Saúde da Organização Mundial da Saúde e os pontos focais para o envelhecimento e para as mudanças climáticas nos seis escritórios regionais da OMS. Também foram recebidas contribuições do Departamento de Economia e Divisão de População de Assuntos Sociais, um membro parceiro do Grupo Inter-Agências das Nações Unidas sobre Envelhecimento.

       O documento faz uma reflexão sobre os impactos das mudanças climáticas na população idosa, no contexto da Década das Nações Unidas pelo Envelhecimento Saudável, que está sendo implementada entre 2021 e 2030. As organizações envolvidas na elaboração do documento lembram que nas próximas três décadas o número de pessoas com mais de 60 anos em todo o mundo aumentará quase o dobro, de 1,1 bilhão em 2021 para cerca de 2,1 bilhões em 2050.

     O número de pessoas idosas também aumentará como proporção da população total, atingindo mais de 21% em 2050, com mais de dois terços vivendo em países de baixa e média renda onde desastres relacionados ao clima são mais prováveis de acontecer. “Além disso, mais idosos estão morando sozinhos com as mudanças nos padrões de apoio familiar, com implicações para o acesso à saúde e assistência social de longo prazo, tanto na comunidade como nas instalações especializadas”, observa o documento.

Chefes de Estado e governos na COP 27 (Foto de IISD/ENB | 
Mike Muzurakis)

       Neste cenário de grande mudança demográfica, marcada pelo envelhecimento populacional, as organizações signatárias pedem maior atenção para os impactos das mudanças climáticas nas pessoas idosas. O documento sustenta que As Conferências das Partes (COPs) da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês) “são oportunidades para considerar o envelhecimento saudável ao longo da vida nas comunidades mais afetadas pelas mudanças climáticas. O programa de saúde das COPs e outros mecanismos da UNFCCC podem aumentar a visibilidade dos idosos e oferecer oportunidades para defender as prioridades” da Década do Envelhecimento Saudável.

Antecedentes

        O documento assinala a respeito que o Pacto Climático de Glasgow, firmado na COP 26, que tinha sido recém-realizada nessa cidade escocesa, no final de 2021, “menciona crianças, jovens, mulheres, pessoas com deficiência e indígenas, mas não pessoas idosas, embora sejam desproporcionalmente impactadas pelas ameaças das mudanças climáticas”. O documento nota igualmente que “os princípios da proteção dos direitos humanos, incluindo o direito à saúde, são claramente indicados na Declaração de Glasgow da COP26 e no plano da Década e podem ser alavancados para avançar ambas as agendas conectadas”. Foi a reiteração da urgência de debate sobre os impactos das mudanças climáticas no âmbito da Década pelo Envelhecimento Saudável.

       Apelo semelhante foi feito anteriormente na esfera do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, mais especificamente no 47º período de sessões do órgão, de 21 de junho a 9 de julho de 2021. Na ocasião, o Alto Comissariado para Direitos Humanos das Nações Unidas, chefiado pela ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, apresentou um “Estudo Analítico sobre a Promoção e Proteção dos Direitos das Pessoas Idosas no Contexto das Mudanças Climáticas”. O documento adverte que as mudanças climáticas estão afetando os direitos das pessoas idosas nas áreas do direito à vida, à saúde e  segurança, e também nos direitos à mobilidade, à habitação, à alimentação, à água e ao saneamento e aos direitos culturais, entre outros.

        No evento que debateu o Estudo Analítico, Michelle Bachelet destacou que “as mudanças climáticas têm implicações particularmente significativas para as pessoas com mais de 65 anos, especialmente quando fatores físicos, políticos, econômicos e sociais as tornam vulneráveis”. Ela alertou que “o idadismo contribui para essa vulnerabilidade. A crise de COVID-19 demonstrou como a discriminação relacionada à idade cria e exacerba a pobreza e a marginalização dos idosos, ampliando os riscos aos direitos humanos”.

        Entre outros exemplos de impactos já identificados, Bachelet lembrou que, em 2003, uma onda de calor em grande parte da Europa Ocidental criou déficits nas colheitas e matou dezenas de milhares de pessoas. Das 14.000 mortes relacionadas ao calor na França, 80% eram de pessoas com mais de 75 anos. Em 2013, 70% das pessoas que morreram como resultado das inundações em La Plata, Argentina, tinham mais de 60 anos. 

      A ex-presidente do Chile lamentou que “a estrutura internacional de direitos humanos existente oferece uma cobertura fragmentada e inconsistente dos direitos humanos dos idosos, na lei e na prática. Os idosos também raramente são mencionados nos acordos ambientais internacionais”. E acrescentou: “Não existe um instrumento normativo dedicado aos direitos dos idosos, e as limitações dos instrumentos existentes podem dificultar sua efetiva proteção, inclusive no contexto das mudanças climáticas”.

       Por outro lado, a Alta Comissária pelos Direitos Humanos frisou que, “para o benefício de todos nós, muitos idosos estão usando cada vez mais suas habilidades, conhecimento, experiência, recursos e resiliência para ajudar a deter as mudanças climáticas e enfrentar seus piores impactos”.

        Citou a respeito que, em toda a América Latina, os anciãos indígenas formaram redes de solidariedade “para preservar sua herança cultural e conhecimento tradicional e defender ações climáticas que respeitem seu direito ao consentimento livre, prévio e informado”. Na Noruega, a Campanha Climática dos Avós vem “contribuindo para a defesa pública da política climática da Noruega”. Na Austrália, os Knitting Nannas adaptaram “táticas pacíficas de ação direta para defender políticas que preservem o meio ambiente e lutem contra as mudanças climáticas”.

        Michelle Bachelet exortou então aos Estados membros das Nações Unidas para implementarem “uma abordagem inclusiva de idade para a ação climática, observando que a Década das Nações Unidas do Envelhecimento Saudável foi adotada pela Assembleia Geral no ano passado”. Posteriores ao Estudo e pronunciamento do Alto Comissariado pelos Direitos Humanos das Nações Unidas, a COP 26, em Glasgow, e COP 27, no Egito, não ecoaram o apelo de Bachelet e as lacunas permanecem em termos da discussão sobre as mudanças climáticas na perspectiva das pessoas idosas.

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