Pedida por pesquisadores, grupos e lideranças, ratificação de Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas está parada no Congresso Nacional (Foto Adriano Rosa)

Dossiê Direitos das Pessoas Idosas na transição ao governo Lula

Campinas, 13 de dezembro de 2022Este dossiê abre espaço para a discussão sobre como a transição ao terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva está tratando a questão dos direitos das pessoas idosas, tema que esteve praticamente ausente na campanha eleitoral, como mostrou o Portal Longevinews. Na reportagem abaixo, estão os conteúdos de duas cartas encaminhadas ao Grupo de Transição dos Direitos Humanos, onde a temática está sendo abordada. E em seguida o dossiê contempla artigo de Lucia Secoti, a presidente destituída do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa democrático extinto pelo governo de Jair Bolsonaro.

Grupos e pesquisadores mobilizados para inserir direitos das pessoas idosas na transição

      O empenho do novo governo, do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, pela ratificação da Convenção Interamericana sobre Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas. Este é o primeiro ponto de uma carta encaminhada à deputada Maria do Rosário (PT-RS), coordenadora do Grupo de Transição sobre Direitos Humanos. O documento foi produzido pelo Grupo de Trabalho Envelhecimento Saudável e Participativo da Universidade de Brasília, mas são vários os grupos, organizações e pesquisadores que têm se mobilizado para inserir a temática dos direitos das pessoas idosas nas discussões da transição para o governo Lula.

       A Convenção Interamericana sobre Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas foi adotada a 15 de junho de 2015, em Washington, onde está a sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA). A Convenção entrou em vigor no dia 11 de janeiro de 2017, trigésimo dia depois do segundo depósito de instrumento de ratificação na Secretaria Geral da OEA. O Brasil foi um dos países que assinaram a Convenção, no dia 15 de junho de 2015, mas o país ainda não a ratificou, e com isso ainda não houve a internalização dos princípios previstos no instrumento jurídico, como informou o Portal Longevinews em reportagem a 3 de outubro de 2022.

     Depois da assinatura, o envio da Convenção, pela Presidência da República do Brasil, para o Congresso Nacional, aconteceu somente no dia 25 de outubro de 2017, através do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha.   A mensagem do Poder Executivo recebeu parecer favorável da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e foi transformada no Projeto de Decreto Legislativo 863/2017. Desde o dia 28 de novembro de 2018 o projeto encontra-se sujeito à apreciação do Plenário, dependendo de decisão da Mesa Diretora dessa casa legislativa, o que ainda não ocorreu.

Mobilização – O Grupo de Trabalho da Universidade de Brasília esclarece que as suas iniciativas e os seus projetos “visam contribuir para o cumprimento da legislação nacional e os pactos internacionais que o Brasil é signatário de defesa de direitos humanos de pessoas idosas para erradicação do Ageismo/Idadismo, em consonância com as diretrizes estabelecidas para a Década do Envelhecimento Saudável (2021-2030) monitorado pela Organização Panamericana da Saúde-OPAS; e em consonância com os objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ONU,2020) por intermédio de uma Agenda Concertada para defesa do Envelhecimento digno e cidadão”.

          O documento encaminhado à deputada Maria do Rosário foi assinado por Leides Barroso Azevedo Moura, coordenadora do Grupo da Universidade de Brasília, Albamaria Paulino de Campos Abigalil, Desirée Bittencourt, Grasielle Silveira Tavares, Maria Cristina Correa Lopes Hoffman, Marisete Peralta Safons e Vicente de Paula Faleiros, profissionais com importante currículo no campo dos direitos das pessoas idosas.

         O Grupo comenta porque defende a imediata ratificação e implementação das deliberações contidas na Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos: “Esse documento juridicamente vinculante que promove e protege os direitos humanos das pessoas idosas com uma nova narrativa do envelhecimento ativo, saudável e cidadão é essencial e reafirma a nossa legislação nacional”.

         O Grupo da UnB também defende, em conjunto com a ratificação da Convenção, “operacionalizar uma agenda de direitos humanos articulada antirracista, antimachista, anticapacitista, antihomofóbica e antiageista ou anti-idadista que favoreça o contato e diálogo intergeracional de maneira solidária pela defesa do direito de todas as pessoas à saúde, educação sem limite de idade, moradia com serviços próximos que garanta o envelhecer onde se vive, alimentação sem insegurança alimentar (nome técnico que pode esconder a feiura da fome), trabalho decente com respeito entre as gerações que estão no mundo do trabalho, segurança, interação social em liberdade e com acesso, mas não em isolamento social”.

          Para o Grupo de Trabalho Envelhecimento Saudável e Participativo, seria necessário “identificar nas deliberações da Convenção os pontos de acesso e encaixes institucionais para fortalecer a implementação e avaliação da Política Nacional da Pessoa Idosa via Estatuto da Pessoa Idosa com articulação do Programa Nacional de Direitos Humanos”. Isso seria feito através de medidas considerando os eixos orientadores da (1) Educação para os Direitos Humanos, (2) da “governança participativa – Participação social “espinha dorsal” da nossa Constituição Federal”, valorizando os Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais e reconstruindo a Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa (Renadi) e (3)  da “revisão temática com inserção da temática do envelhecer nas políticas, programas de governo e todo material técnico produzido”.

        Uma das ações propostas é, no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) 4, “garantir a inserção de uma diretriz especifica voltada para pessoas idosas ou articular em todas as brechas possíveis do atual PNDH 3 a defesa inadiável da pessoa idosa como prioridade”.

Fórum Nacional – O Fórum Nacional Permanente da Sociedade Civil de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa também está mobilizado com o propósito de inserir a questão dos direitos das pessoas idosas nos debates relacionados à transição para o próximo governo Lula, que toma posse a 1º de janeiro de 2023.

           Entre os dias 17 e 19 de novembro, portanto já conhecidos os resultados das urnas, foi realizado na forma remota o XIV Encontro Nacional de Fóruns Permanentes da Sociedade Civil pelos Direitos da Pessoa Idosa, com a participação de representantes de sete Unidades da Federação: Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Paraná, Rio de Janeiro e Distrito Federal. O Encontro teve como tema central “Contra o Desmonte, Reafirmando os Direitos da Pessoa Idosa” e após os debates foi aprovada uma Carta, igualmente remetida aos grupos de transição para o governo Lula.

         Os Fóruns Estaduais integrantes do Fórum Nacional também defenderam a ratificação da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas. O Fórum Nacional participa ativamente da RED CORV – Coordenação de Organismos da Sociedade Civil da América Latina e Caribe para integração e mobilização social pelos direitos da pessoa idosa nessa região.       

      Outra proposta do Fórum Nacional é o inadiável restabelecimento do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa “na sua forma democrática, participativa e deliberativa, revogando o Decreto n° 9.893/2019 e suas posteriores alterações”. O Fórum também sustenta que a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa “precisa ser fortalecida, e é necessário estabelecer um orçamento com recursos financeiros para as políticas para as pessoas idosas aglutinando em anexo próprio todos os itens, de todos os órgãos públicos, que destinam recursos para essas políticas”.

         Na Carta, o Fórum Nacional destaca que, “além de fortalecer o SUS, o SUAS, a renda dos trabalhadores, a farmácia popular e as Conferências, será necessária uma política nacional de cuidados, de combate à violência contra as pessoas idosas, de acessibilidade e de envelhecimento cidadão saudável e participativo”.

      “Temos um Presidente da República eleito, com 77 anos, e esperamos que seja um apoiador incondicional de um envelhecimento digno, saudável, participativo e cidadão”, evidencia a Carta. “A população idosa não é um peso para a sociedade e para o Estado. Ela construiu e constrói esse país”, conclui o documento do Fórum Nacional Permanente da Sociedade Civil de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa.

Pessoa Idosa e o futuro governo Lula-Alckmin: Os desafios de se envelhecer no Brasil. Desafio para os indivíduos, sociedade e governo.

Lucia Secoti*

     Convidada a falar sobre a pessoa idosa no futuro governo que se inicia no próximo primeiro de janeiro de 2023, quero trazer antes a perspectiva dos direitos humanos da pessoa idosa. A pessoa idosa como sujeito de direitos e foco de políticas públicas e por isso parto da Declaração Universal dos Direitos Humanos que declara: “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.

        Sempre é importante lembrar o direito à vida e à dignidade na velhice, pois Direitos Humanos são os direitos de todos e devem ser protegidos. Em nosso marco legal e jurídico dos direitos da pessoa idosa no Brasil, o Estatuto da Pessoa Idosa, temos o primeiro capítulo dedicado ao Direito à Vida, onde diz em seus artigos: que o envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social e que é obrigação do Estado essa proteção à população idosa mediante efetivação de políticas sociais públicas.

       E o que envelhecimento? Vou trazer como está conceituado na Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas: o envelhecimento é “processo gradual que se desenvolve durante o curso de vida e que implica alterações biológicas, fisiológicas, psicossociais e funcionais de várias consequências, as quais se associam com interações dinâmicas e permanentes entre o sujeito e seu meio”. Portanto, a velhice como uma fase da vida é uma etapa legítima do desenvolvimento humano e necessita ser compreendida pelos indivíduos, sociedade e governo. Essa população, que aumenta mundialmente, tem sido vista por um enfoque geriátrico, mas o desafio que ainda persiste é o de olhar para ela sob um enfoque gerontológico, também.

     A mudança de padrão, certamente, assegurará direitos, diminuirá preconceitos, trazendo dignidade, valor básico dos direitos humanos, a todos que envelhecem. Essa nova cultura gerontológica implica num desenvolvimento sustentável, livre de discriminação e de paternalismo.

     Nesse contexto não podemos deixar de considerar o Estatuto da Pessoa Idosa, em seu segundo artigo: “O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”.

      Assim, se continuarmos a olhar a pessoa que envelhece somente sob os aspectos biológicos, as outras dimensões ficam reduzidas e, assim, limita-se a formulação de políticas públicas. Para o novo governo, Lula-Alckmin 2023-2026, que em suas diretrizes no programa de Reconstrução e Transformação do Brasil, quanto ao desenvolvimento social e garantia de direitos, tem como proposta “uma atuação na construção de políticas que assegurem os direitos dos idosos com envelhecimento ativo, saudável e participativo, com a ampliação e fortalecimento dos serviços necessários por meio de uma rede de cuidados”, é necessário, nos primeiros atos normativos, em seus primeiros dias de governo, a revogação do Decreto 9.893/2019 e alterações posteriores para resgatar o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, o CNDI, órgão de participação e controle social que tinha por missão, pelo menos antes da nossa destituição, em junho de 2019, a de contribuir para o envelhecimento humano digno, por meio da defesa e da articulação de políticas com setores da sociedade. Em coletiva de imprensa, no dia 08/12/2022, do Grupo de Trabalho Direitos Humanos do Gabinete de Transição Governamental, foi feita essa sinalização.

     É imperioso, o mais breve possível, a alteração da Lei 8.842/1994, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, para definir a composição e funcionamento do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa – CNDI e a ratificação da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, concluída no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), celebrada em Washington, em 15 de junho de 2015, para ampliar a proteção da população idosa, principalmente frente à inversão da pirâmide etária. Nossos vizinhos Argentina, Bolívia e Uruguai já efetivaram a adesão.

       É preciso se debruçar nos retrocessos das políticas setoriais que integram a Seguridade Social, na reforma da Previdência e dar transparência nas ações governamentais. Outro ponto é o Cadastro Único. Levando em conta a informação da administração federal, de 2018, antes do atual governo assumir, no Cadastro Único eram 4.526.916 (quatro milhões, quinhentos e vinte e seis mil, novecentos e dezesseis pessoas idosas cadastradas). Com as alterações que ocorreram no CadÚnico, em 2021, para muitos profissionais, essa plataforma de acolhimento do cidadão deixou de ser o mesmo produto, sendo fundamental revisar a estrutura pensada pela atual gestão do executivo federal para as urgentes políticas públicas que forneçam condições de um padrão de vida minimamente adequado à população. Importante lembrar que quando instituído, o Cadastro Único foi pensado para ser uma tecnologia social de baixo custo, uma base de informações cruciais para o funcionamento dos programas sociais, sendo um instrumento de planejamento reconhecido.

      Quanto à escolaridade, também dados do executivo federal, de 2018, o perfil da população idosa era a seguinte: Sem Instrução-37%, Fundamental Incompleto-52%, Fundamental Completo-3,9%, Médio Incompleto-1,3%, Médio Completo-5,0% e Superior Incompleto ou mais-0,9%. Apesar dos empecilhos e dificuldades enfrentados por nós, nos meses que antecederam a destituição do CNDI, conseguimos deliberar que em todo edital do CNDI tenha uma linha voltada à Educação para projetos que efetivamente eduquem, alfabetizem e que tragam protagonismo e cidadania à pessoa idosa. Na nova estrutura do Ministério da Educação – MEC, contamos com a criação de um programa específico para a alfabetização das pessoas idosas no Brasil, proposta que tem sua origem no extinto Grupo de Trabalho de Educação, na gestão 2016-2018 do CNDI.

     O grande desafio do governo que assume, nesses primeiros anos da Década do Envelhecimento Saudável, proposta pela ONU, é o da promoção e defesa dos direitos da pessoa idosa, objetivando o seu desenvolvimento integral por meio de políticas públicas. O fortalecimento da Política Nacional do Idoso e a valorização do trabalho técnico da Secretaria Nacional da Pessoa Idosa. “Não há como conciliar democracia com as sérias injustiças sociais, as formas variadas de exclusão e as violações reiteradas aos direitos humanos que ocorrem em nosso país”, já colocava como preceito básico o Programa Nacional dos Direitos Humanos, em 1996.

        A forma de pensar e agir do novo governo, em relação ao envelhecimento, ditará o quão moderno será o Brasil do Futuro e no futuro.

  • Lucia Secoti é presidente destituída do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa-CNDI. Ex-vice-presidente do Conselho Municipal do Idoso-CMI Campinas e ex-conselheira do Conselho Estadual do Idoso-CEI/SP
  1. Maravilhoso movimento Lúcia !!
    Vi que alguns Partidos Políticos estão se fortalecendo criando Secretarias específicas para atenção às políticas das Pessoas Idosas. Abração José P Giacomoni

  2. Maravilhoso movimento Lúcia !!
    Vi que alguns Partidos Políticos estão se fortalecendo criando Secretarias específicas para atenção às políticas das Pessoas Idosas. Abração José P Giacomoni

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