ECOLOGIA

EDUCAÇÃO AMBIENTAL: O PAPEL DA CONFERÊNCIA DE TBILISI 

      O aquecimento global inscreveu definitivamente a questão sócio-ambiental na agenda política, econômica e social internacional. Mas um aspecto central da discussão vem sendo omitido na mídia e nos múltiplos fóruns criados sobre a temática, que é o do papel estratégico da educação ambiental como premissa para a mudança de estilo de vida, para a formulação de novos padrões civilizatórios. Uma educação ambiental ampla, na realidade uma educação para a sustentabilidade, como objetiva a Década Internacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, em curso no período 2005-2014.

2012 – o ano que, se espera, seja o marco da emergência de uma Cultura da Sustentabilidade, pela Rio+20 – é um ano especial para se falar em Educação Ambiental. Neste ano são lembradas as três décadas e meia da Conferência de Tbilisi, capital da Geórgia. Entre 14 e 26 de outubro de 1977, a então  república soviética sediou o maior evento já realizado sobre Educação Ambiental, sob promoção da Unesco e Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

A Conferência de Tbilisi é um marco porque traçou as linhas gerais do que seria uma Educação Ambiental transformadora. Seria uma Educação praticada de forma contínua e de modo multi e interdisciplinar – não deveria se circunscrever, portanto, a disciplina no currículo escolar e nem praticada de modo esporádico, limitado a uma coleta seletiva de resíduos na escola.

Uma Educação Ambiental transformadora é aquela que desperta a sensibilidade humana para a beleza e a importância da vida. A vida toda, do ser humano, das demais espécies vivas, dos recursos naturais, da biosfera em geral. Para que esse propósito seja atingido, a Educação Ambiental transformadora deve ser holística, considerar aspectos culturais, sociais, políticos, econômicos. As diversas modalidades artísticas têm uma função primordial, pelo que representam de potencial para aguçar a sensibilidade, ampliar os horizontes pessoais e coletivos. A Filosofia também, pelo que significa de instrumentais para o pensamento crítico, questionador.

É claro que a Educação como cristalizada ao longo do século 20 não atende a esses objetivos. Mas há sinais de mudança de paradigmas. E são mudanças urgentes, imperativas. O modelo educacional ainda dominante não atende mais às múltiplas demandas, à miríade de desafios de uma sociedade cada vez mais complexa e perplexa. Lembrar Tbilisi, no atual cenário de inquietação planetária, é pensar sobre saídas concretas do labirinto que a civilização industrial arquitetou para si mesma.

A Conferência de Tbilisi é resultado do ambiente cultural, político e social turbulento dos anos 1960-70, nos quais os fundamentos da sociedade industrial foram colocados em questão. A Primeira Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental foi realizada na capital da Geórgia, entre 14 e 26 de outubro de 1977, sob organização da Unesco em parceria com o PNUMA.

A declaração final da Conferência contém uma série de Recomendações, que deveriam ser praticadas pelos Estados-membro para viabilizar a Educação Ambiental transformadora. Deveria ser, de fato, uma educação crítica, que considerasse todos aspectos sociais, econômicos e culturais, além dos ambientais,  fosse praticada por meios formais, informais e não-formais, sendo dirigida a todas faixas etárias e ao longo de toda a vida, e promovesse a cooperação e solidariedade internacional e dentro de cada país, difundindo os valores da tolerância, respeito e não-discriminação de qualquer tipo. Uma educação holística, portanto.

Muitos países avançariam de modo expressivo na Educação Ambiental, a partir de Tbilisi, enquanto outros… O Brasil, por exemplo, que vivia o auge de uma ditadura militar, apenas teria a sua Política Nacional de Educação Ambiental em 1999, pela Lei no 9.795/99. Ainda assim, no período foram desenvolvidas importantes experiências, principalmente por parte de educadores ambientais abnegados, persistentes e esperançosos…

Entre os antecedentes de Tbilisi estão a fundação em 1968 na Grã-Bretanha da Sociedade para a Educação Ambiental (fruto da Conferência de Educação realizada no College of Education, em Leichester), o lançamento em 1969 nos Estados Unidos  do Journal of EE (Jornal da Educação Ambiental), a popularização a partir de 1970 do termo educação ambiental desde a Grã-Bretanha e Estados Unidos. No mesmo ano a National Audubon Society edita “A Place to Live”, dedicado a professores. Em 1975 a Unesco realiza em Belgrado, Iugoslávia, o primeiro encontro internacional em educação ambiental. Foi a prévia de Tbilisi. (Por José Pedro Martins, no livro “Terra Cantata – Uma história da sustentabilidade”)

OUTROS NOMES CAPITAIS NO DEBATE

SOBRE A SUSTENTABILIDADE

Edgar Morin – O sociólogo francês é um dos intelectuais mais importantes da transição dos séculos 20 e 21. Autor de obras capitais como Le Vif du Sujet,

É conhecida a contribuição do sociólogo francês nos ramos da política, da economia, da comunicação, da cultura, mas é pouco comentado o fato de que um dos livros de Morin, Introduction à une politique de l´homme, de 1965, é um dos pioneiros em discutir a relação entre as comunidades humanas e o meio ambiente. Como assinala em entrevista a Alain Hervé, em Le Nouvel Observateur, de 1972, a consciência ecológica, para Morin, começaria com a consciência da existência de um eco-sistema, formado por “relações de associação (simbioses, parasitismos) e de complementaridade (entre o que come e o que é comido, o predador e a presa)”, constituindo assim um “conjunto combinatório, com os seus determinismos, os seus ciclos”. Ou seja, “existe um fenômeno d eintegração ntural entre vegetais, animais, inclusive humanos, de que resulta uma espécie de ser vivo que é o eco-sistema”, um ser vivo ao mesmo tempo “muito robusto e muito frágil”, apontando para a hipótese de Gaia. Morin pede na entrevista uma mudança total da Ciência: “É a noção de ciência que tem de passar para um nível mais alto de complexidade, de riqueza, de lucidez. Afigura-se-me que a nova ecologia generalizada, ciência das interdependências, das interações, das interferências entre sistemas heterogêneos, ciência para além das disciplinas isoladas, ciência verdadeiramente transdisciplinar, vai contribuir para essa passagem” (germe da transdisciplinaridade).

Robin Clarke – Consultor da Unesco, de origem britânica, especializou-se em estudos sobre o futuro da humanidade e do planeta. Autor, entre outros livros, de The Science of War and Peace. No artigo “O Apocalipse!”, publicado na revista “Actuel”, Paris, em outubro de 1971, Clarke antecipa o debate que seria detonado pelo relatório Limites do Crescimento do Clube de Roma, particularmente no que diz respeito ao controle da população como uma das formas de se evitar o excesso de consumo dos recursos naturais. Admitindo que a população cresce mais rapidamente nos países em desenvolvimento, lembra que o impacto do estilo de vida dos países industrializados é muito maior no consumo dos recursos naturais. (In “Ecologia contra poluição”, Novos Cadernos D.Quixote, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1973)

 

E mais:  Barry Commoner (EUA, 1917, conhecido como um dos expoentes do eco-socialismo, autor de The Closing Circle: Nature, Man, and Technology, de 1971, entre outros livros), René Dubos (França, 1901-1982, autor de Les dieux de l’écologie 1973, entre outros livros, a ele é atribuída, por muitos, a frase “Pensar globalmente, agir localmente”, que se tornou mote do ambiaentalismo contemporâneo), Sicco Mansholt (Holanda, 1908-1995, presidiu a Comissão Européia no crítico período 1972-1973), Gunnar Myrdal (Suécia, 1898-1987, economista com estudos importantes relacionando economia e questão social) , Ralph Nader (americano de origem libanesa, 1934, liderou várias campanhas em defesa dos consumidores nos anos 1960, com atuação ecológica e pela democratização do governo, candidatou-se três vezes à Presidência dos EUA, duas delas pelo Partido Verde), Philippe Saint-Marc, Michel Serres (França, 1930, autor do artigo “Thanatocratie”, publicado na edição de março de 1972 da revista francesa “Critique”, indicando que o armamento, a série industrial e a ciência se reúnem no “triângulo de morte”) Barbara Ward (Britânica, 1914-1981, co-autora, com René Dubos, do livro Only One Earth, escrito para  Estocolmo). (Por José Pedro Martins, no livro “Terra Cantata – Uma história da sustentabilidade”)  

O NEGÓCIO É SER PEQUENO, DE SCHUMACHER: REFERÊNCIA PARA NOVO ESTILO DE VIDA

O economista inglês E.F.Schumacher tornou-se um dos nomes mais importantes do ecologismo moderno com o livro Small is Beautiful (“O Negócio é Ser Pequeno”), uma coleção de ensaios em que propõe uma completa reformulação do modo de vida ocidental devorador de recursos naturais e de trabalho humano desnecessário e explorador. O livro é um dos produtos mais típicos de como os rumos insustentáveis do modelo de desenvolvimento predador foram questionados com força nos anos 1960-70.

Como presidente da Junta Nacional do Carvão da Grã-Bretanha, de 1950 a 1970, ele viveu de perto os bastidores do poder e principalmente da questão energética, estreitamente relacionada com a temática ambientalista moderna. Desta posição privilegiada, ele pôde constatar como o modelo ocidental de progresso levar à extinção dos recursos naturais do planeta.

Um dos ensaios mais interessantes de Small is Beautiful é “Economia Budista”, publicado originariamente em 1966. Logo no início do artigo, Schumacher cita extratos do plano econômico e social do governo da Birmânia em 1954. “A nova Birmânia não vê conflito entre valores religiosos e progresso econômico. Saúde espiritual e bem-estar material não são inimigos: são aliados naturais”, diz o plano de governo birmanês daquela época, completando: “Podemos combinar com sucesso os valores religiosos e espirituais de nossa herança com os benefícios da tecnologia moderna”.

Schumacher vê nesse plano de governo alguns dos princípios do que chama de economia budista, orientada por paradigmas contrários aos defendidos pela economia ocidental. A economia ocidental “considera o consumo como sendo o único fim e propósito de toda atividade econômica, tomando como meios os fatores de produção: terra, trabalho e capital”.

Ao contrário da lógica consumista na sociedade industrial, a economia budista baseia-se em outros princípios, sustenta: “Enquanto o materialista está sobretudo interessado em bens, o budista o está em libertação. Mas o budismo é ´O Caminho do Meio` e, assim, de maneira alguma antagoniza o bem-estar físico. Não é a riqueza que atrapalha a libertação, porém, o apego à riqueza; não a fruição de coisas agradáveis, mas o desejo exagerado delas. A tônica da Economia Budista, portanto, é simplicidade e não-violência. Sob o ponto de vista dum economista, a maravilha do estilo de vida budista é a racionalidade absoluta do seu modelo – meios espantosamente reduzidos levando a resultados extraordinariamente satisfatórios”.

Para Schumacher, a chave para um novo estilo de vida, proposto pela Economia Budista, é o da obtenção do consumo e da satisfação das necessidades humanas através do esforço mínimo e de meios também mínimos, o que naturalmente pressupõe uma utilização muito menor de recursos naturais para a obtenção do progresso.

Ou seja, na avaliação de Schumacher, a Economia Budista, de satisfação das  necessidades com o mínimo de meios e recursos possível, é um excelente antídoto para a violência – tema que assusta cada vez mais na entrada de um novo século, em particular no caso das grandes áreas metropolitanas.

Schumacher assinala que uma “diferença notável” entre a economia ocidental e a Economia Budista é, de fato, no que diz respeito ao consumo de recursos naturais. Ele cita palavras do filósofo político francês Bertrand de Jouvenel, a respeito do homem ocidental:

“Ele tende a não computar coisa alguma como dispêndio, exceto o esforço humano; não lhe parece importar quanta matéria mineral desperdiça e, pior ainda, quanta matéria viva destrói. Não parece dar-se conta absolutamente de que toda vida humana depende um ecossistema de muitas diferentes formas de vida. Como o mundo é governado de cidades onde os homens se acham desligados de qualquer outra forma de vida que não a humana, o sentimento de pertencer a um ecossistema não é revivido. Isto resulta em um tratamento implacável e imprevidente de coisas das quais em última análise dependemos, tais como a água e as árvores”.

Schumacher observa que o ensinamento de Buda, pelo contrário, “recomenda uma atitude reverente e não-violenta não só para com todos os seres sensíveis como também, com grande destaque, para com as árvores”. Todo seguidor de Buda, acrescenta o autor de “Small is Beautiful”, deve plantar uma árvore periodicamente “e cuidar dela até estar firmemente assentada, e o economista budista pode demonstrar sem esforço que a observação universal desta regra teria como resultado alta taxa de genuíno desenvolvimento econômico, independente de qualquer auxílio estrangeiro”.

A economia ocidental moderna, diz, não distingue entre materiais renováveis e não-renováveis. Para a Economia Budista, “bens não-renováveis só devem ser usados se indispensáveis, e aí somente com o maior cuidado e a mais meticulosa preocupação com a conservação. Usá-los imprudente ou extravagantemente é um ato de violência, e conquanto a não-violência total talvez não seja alcançável nesta Terra, não obstante há um dever iniludível para o homem visar ao ideal da não-violência em tudo o que faça”.

Schumacher morreu na Suíça, em setembro de 1977, aos 66 anos. Ele não viu como a devastação dos recursos naturais seria ainda maior do que previu em seus ensaios. Mas suas palavras continuam sendo fonte de inspiração para muitos que sonham com uma vida mais simples e não-violenta.

Fonte: E.F.SCHUMACHER, Small is Beautiful – “O Negócio é Ser Pequeno”, 4a edição, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1983.

(Por José Pedro Martins, no livro “Terra Cantata – Uma história da sustentabilidade”)

 

PRINCÍPIOS DO ECOFEMINISMO,

 BASE DA ECOCIVILIZAÇÃO

 

      Em artigo publicado originalmente na revista “Mulheres e Meio Ambiente”, Katherine Davies, diretora do Escritório de Proteção Ambiental de Toronto, no Canadá, recuperou, em 1988, o sentido do ecofeminismo, sob os influxos da emergência do movimento ecológico mundial. Observava Katherine que o ecofeminismo está baseado em quatro princípios: holismo, interdependência, igualdade e processo.

O ecofeminismo assume uma visão holística da vida, o que pressupõe a interação dos múltiplos ciclos vitais e ecossistemas existentes no planeta. Consequentemente, para o ecofeminismo, todas as espécies, animais, vegetais, minerais, microbiológicas, estão vivendo um freqüente processo de interação – um depende do outro, a crise em alguma parte incide sobre o funcionamento perfeito do todo.

O terceiro princípio do ecofeminismo, o de encarar a vida como processo, subverte a concepção tecnoindustrial do futuro como tempo ideal. A vida, para o ecofeminismo, é um fluir constante, ininterrupto. Mas ela deve ser vivida agora, seus prazeres e – por que não – suas crises não podem ser adiados em função das promessas de um futuro radioso que pode não acontecer.

A visão de vida como processo não implica, porém, que a luta utópica, o desejar um mundo melhor – um mundo mulher – é uma atitude despida de sentido. Para o ecofeminismo, o que acontece é que nem sempre os fins justificam os meios – em nome de um futuro radioso, pode-se cometer os maiores crimes agora, seja na direita ou na esquerda?

Outra característica da visão processual do ecofeminismo é que o ser humano, e a vida toda, estão sempre em construção. Não existe nada acabado, nem mesmo a natureza, que se desenvolve ao longo de milhares de anos. Esse é um dos motivos, aliás, que justificam a preservação da biodiversidade, construída e reconstruída por várias gerações, constituindo uma biblioteca viva do rico patrimônio biológico que os seres humanos herdaram e com relação ao qual têm o dever ético de cuidar com ternura e reverência.

Clara Gallini, uma das principais teóricas do novo feminismo italiano, assim define a plataforma do movimento, como um resumo do que seria o ecofeminismo, essa alternativa à guerra e à barbárie do início do século 21:

“Queremos viver como mulheres uma experiência totalizante: buscar uma vida na qual a pessoa deixe de ser fragmentada e atomizada – o ser racional de um lado, o ser emotivo de outro – e deixe de falar linguagens diversas, uma para o trabalho, outra para a família, outra para a escola, outra para o casal. Recuperar uma certa unidade. Recuperar uma totalidade de pessoa também através de uma totalidade da linguagem. E recuperá-la através de uma experiência solidária, como terreno de identidade: eu sou tanto mais ou mesma quanto mais reconheço que o meu destino passa através do destino dos outros” (em artigo no livro “Le Altre”, organizado por Rossana Rossanda, Ed.Bompiani, Milão, 1979).

(Por José Pedro Martins, no livro “Terra Cantata – Uma história da sustentabilidade”)

NASCIMENTO DE GRANDES ONGS E OIGS

AMBIENTALISTAS NOS ANOS 60 E 70

      O pós-guerra, dedicado a melhorar as instituições para proteger a vida, foi um período fértil para o nascimento de organizações não-governamentais e governamentais que se tornariam grandes expoentes na questão socioambiental. Casos da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), de 1948, e do WWF, de 1961.

     A UICN é a organização, criada em 1948,  voltada para promover a conservação dos recursos e espécies naturais no planeta. Em 2006 reunia 81 Estados nacionais, 113 agências governamentais, mais de 850 organizações não-governamentais e mais de 10 mil especialistas, em diversas áreas,  de mais de 180 países.(www.iucn.org)

O WWF foi criado em 1961, com o nome de Fundo Mundial para a Natureza, e atualmente é conhecido como Rede WWF. Com cerca de 5 milhões de associados em todo planeta, Rede WWF é a maior organização do gênero no início do século 21. Participa de mais de 2 mil projetos de conservação do meio ambiente. Desde 1985, o WWF investiu mais de US$1,165 milhões em mais de 11 mil projetos em 130 países.

Além das ONGs, também cresceu exponencialmente, desde meados do século 20, o número de Organizações Intergovernamentais (OIGs) dedicadas à questão ambiental e do desenvolvimento. Reflexo da institucionalização da temática, e da preocupação crescente de governos e sociedade em geral. O risco da burocratização é contrabalançado pela evolução das ONGs.

Entre 1945 e 1972, o número de OIGs com parte de sua atuação voltada para questões ambientais avançou de 7 para 49. Em 1992, ano da Eco-92, já era de 76 OIGs. No período 1945-72, o número de OIGs atuantes principalmente na área ambiental saltou de 2 para 15. Em 1992 eram 31 (Apud Stevis e Wilson, 1995, in Philippe Le Prestre, “Ecopolítica Internacional”, Editora SENAC, São Paulo, 2000, página 101).

(Por José Pedro Martins, no livro “Terra Cantata – Uma história da sustentabilidade”)

     OS GUERREIROS DO ARCO-ÍRIS

Entre final da década de 1960 e início   da década de 1970 nasceria uma das principais organizações ambientalistas e   pacifistas da história, a Greenpeace. Os ativistas da Greenpeace, batizados   de “Guerreiros do Arco-Íris”, se destacaram em ações diretas contra testes   nucleares e caça a focas e baleias.

Em   10 de julho de 1985  o navio Raimbow   Worrior foi afundado, quando se preparava para participar de ações no Atol de   Mururoa, de protesto contra os testes nucleares promovidos pela França. O   navio sofreu atentado, durante o qual morreu o fotógrafo português Fernando   Pereira.  Mas a Greenpeace só cresceu.   No início do século 21 soma quase 3 milhões de associados em todo planeta.   São mantidos escritórios em 41 países.    (www.greenpeace.org.br)

PIONEIROS DA SUSTENTABILIDADE

George Perkins Marsh  (1801-1882) – Para autores como David Lowenthal (autor de “George Perkins Marsh. Prophet of Conservation”, University of Washington Press, 2000 ) e Lewis Mumford, “Man and Nature” (1864) é o primeiro estudo completo, holístico como se diz agora, sobre os impactos antrópicos sobre o meio ambiente. Homem de várias especialidades, Marsh foi um precursor do pensamento interdisciplinar que é essencial para a Cultura da Sustentabilidade. Nesta passagem do livro, não deixa dúvida sobre o que pensava do modelo de desenvolvimento que exaure os recursos naturais: “The human race seems destined to become its own executioner…on the one hand [by] exhausting the capacity of the earth to furnish sustenance to her taskmaster; on the other, compensating diminished production by inverting more efficient methods of exterminating the consumer” (in David Lowenthal, “George Perkins Marsh. Prophet of Conservation”, p.339-340).

Thomas Henry Huxley (1825-1895) – Nascido no ano-marco de 1825, o britânico Huxley foi o mais ardoroso defensor, depois de Darwin, da Teoria da Evolução. Aliás, ele defendeu Darwin naquele que foi um dos mais importantes debates científicos da história, promovido um ano depois da publicação de “A Origem das Espécies”.  Foi a 30 de junho de 1860, na Universidade de Oxford, entre Huxley, o maior crítico da Teoria da Evolução na época, o bispo Samuel Wilberforce e o aliado  deste, Richard Owen. O livro de T.H. Huxley, Evidence as to Man’s place in Nature (1863), é referência para o ambientalismo contemporâneo, pelo que representa de crítica científica ao antropocentrismo.Huxley tornou-se  patriarca de família de grandes nomes na ciência e cultura, incluindo o escritor Aldous Huxley (1894-1963, autor de “Admirável mundo novo”, de 1931) , o fisiologista e ganhador do Prêmio Nobel de Medicina Sir Andrew Huxley (1917) e Sir Julian Huxley (1887-1975), que viria a ser o primeiro diretor-feral da Unesco e fundador do World Wildlife Fund – WWF.

Aldo Leopold (1887-1948) – O seu livro “Sand County Almanac”, publicado em 1949, um ano depois de sua morte, é considerado a pedra fundamental da Ética Ecológica ou Ética da Terra. Esse trecho diz tudo: A ética da terra simplesmente amplia as fronteiras da comunidade para incluir o solo, a água, as plantas e os animais, ou coletivamente: a terra. Isto parece simples: nós já não cantamos nosso amor e nossa obrigação para com a terra da liberdade e lar dos corajosos ? Sim, mas quem e o que propriamente amamos ? Certamente não o solo, o qual nós mandamos desordenadamente rio abaixo. Certamente não as águas, que assumimos que não tem função exceto para fazer funcionar turbinas, flutuar barcaças e limpar os esgotos. Certamente não as plantas, as quais exterminamos, comunidades inteiras, num piscar de olhos. Certamente não os animais, dos quais já extirpamos muitas da mais bonitas e maiores espécies. A ética da terra não pode, é claro, prevenir a alteração, o manejo e o uso destes ‘recursos’, mas afirma os seus direitos de continuarem existindo e, pelo menos em reservas, de permanecerem em seu estado natural.” (Leopold A. A Sand County Almanac, and sketches here and there. New York: Oxford, 1989:204.)

 ANARQUISMO E MEIO AMBIENTE: UMA SINTONIA HISTÓRICA

A transição entre o final do século 19 e início do século 20, período em que o socialismo “científico” ou “real” chegou ao poder em uma das superpotências, a Rússia (depois União Soviética), também assistiu ao florescimento do anarquismo. Mesmo no âmbito do urbanismo a influência do anarquismo foi forte, na transição dos séculos 19 e 20, e a materialização em maior escala dessa influência talvez tivesse resultado em cidades menos artificiais e funcionais do que aquelas que “vingaram” na sociedade tecnocrática. Na avaliação de Peter Hall, em seu monumental Cidades do Amanhã:

“É realmente surpreendente o fato de que muitas – não todas, de maneira alguma – das primitivas visões do movimento urbanístico tenham como origem o movimento anarquista que floresceu nas últimas décadas do século XIX e nos primeiros anos do século XX. Isso vale para (Ebenezer) Howard, para (Patrick) Geddes e para a Regional Planning Association of Americana, tanto quanto para os seus muitos derivados no continente europeu. (Não valeu, contudo, e quanto a isso não há qualquer dúvida, para Le Corbusier, que era um centralista autoritário, nem para a maioria dos componentes do Movimento City Beautiful, fiéis serviçais do capitalismo financeiro ou de ditadores totalitários.). A visão desses pioneiros anarquistas não era meramente a de uma forma construída alternativa, mas de um sociedade baseada na cooperação voluntária entre homens e mulheres, trabalhando e vivendo em pequenas comunidades autogeridas”. (Peter Hall, Cidades do Amanhã, Editora Perspectiva, São Paulo, 2002, página 4).

Hall cita como Ebenezer Howard (1850-1928), um dos sonhadores do urbanismo anarquista, deve muito ao movimento. Alguns frutos urbanísticos foram gerados da influência anarquista, como a Cidade Jardim (exemplificada em projetos como de New Earswick, Letchworth, Hampstead, Welwyn Garden City e uma parte de Manchester, na Inglaterra) e o Planejamento Regional, estimulado sobretudo por Patrick Geddes (1854-1932). “De seus contatos com os geógrafos franceses na virada do século, Geddes absorvera o credo do comunismo anarquista, baseado em livres confederações de regiões autônomas” (Peter Hall, op.cit., página 161).

O ideário de Geddes é muito marcado pela preocupação com os limites dos recursos naturais de uma área que seria urbanizada, bem de acordo com o que defende o ecologismo contemporâneo. “O planejamento deve começar, segundo Geddes, com o levantamento dos recursos de uma determinada região natural, das respostas que o homem dá a ela e das complexidades resultantes da paisagem cultural” (Peter Hall, op.cit., página 165)

E algo importantíssimo: Geddes se preocupava acima de tudo com as condições hídricas da região a ser urbanizada. Como dizia, em um de seus escritos, citado por Hall: “Tal levantamento de uma série de nossas próprias bacias hidrográficas (…) será considerado como a mais sólida das introduções para o estudo das cidades (…) até mesmo nas maiores cidades é útil que o pesquisador restabeleça constantemente o enfoque elementar e semelhante ao do naturalista” (in Peter Hall, op.cit., página 165)

Como as metrópoles do século 21 não seriam diferentes… De qualquer forma, partes de grandes áreas metropolitanas como Londres foram planejadas de acordo com princípios do Planejamento Regional de Geddes e seguidores. (Por José Pedro Martins, no livro “Terra Cantata – Uma história da sustentabilidade”)

GANDHI, VINOBA, TRANSPARÊNCIA:

A CONTRIBUIÇÃO DO ORIENTE

Uma referência importante, na transição dos séculos 19 e 20, para a idéia da sustentabilidade através dos tempos, é a de Mohandas Karamchand Gandhi (1869-1948), o líder da independência da Índia do domínio britânico. A trajetória de Gandhi, para atingir o seu objetivo, foi marcada pela não-violência como forma de luta.

E o estilo de vida de Gandhi, simpatizante de Thoreau, foi absolutamente simples, limitado a consumir o que apenas necessitava. Ficaram célebres algumas frases atribuídas a Gandhi, sobre o que ele pensava da relação entre o ser humano e os outros animais e espécies da biosfera. Algumas delas:

 “Em meu pensamento, a vida de um cordeiro não é menos importante que a vida de um ser humano.””Há muito de verdade no dito de que o homem se torna aquilo que come. Quanto mais grosseiro o alimento tanto mais grosseiro o corpo.”
“A grandeza de uma nação pode ser julgada pelo modo que seus animais são tratados.”

São palavras que mostram como Gandhi era crítico do antropocentrismo da sociedade ocidental industrial. Era igualmente crítico de qualquer desperdício. Uma de suas fases mais citadas nesse sentido é aquela em que se referia o estilo de vida britânico, quando indagado se a Índia seguiria o mesmo caminho da Inglaterra. Ele respondeu, perguntando: “A Grã-Bretanha necessitou apropriar-se da metade dos recursos do planeta para alcançar a prosperidade atual. Quantos planetas necessitaria um país como a India?”

Gandhi defendia, ainda, o uso de uma tecnologia apropriada ao contexto indiano, para que o país se desenvolvesse. Foi, nesse sentido, grande difusor a partir de 1924 da Charkha, tear que simbolizaria a luta da Índia por um estilo próprio de desenvolvimento. Essa postura de Gandhi o coloca como um dos pioneiros do que hoje se chama Tecnologia Apropriada ou Tecnologia Social – a tecnologia que promove desenvolvimento, gera emprego e renda, mas que está relacionada com os valores culturais próprios da comunidade local. É uma das premissas do desenvolvimento sustentável.

Outro legado de Gandhi para a questão do desenvolvimento sustentável é a sua forma de ver o poder. Que não deveria ser centralizado, monopólio de uma elite, em sua opinião e a de muitos de seus seguidores. O poder teria de ser descentralizado, transparente, aberto. Uma das palavras-chaves na filosofia de Gandhi é satyagraha, que seria “a busca da verdade” ou “o caminho da verdade”. O ideal era falar a verdade, sempre. Transparência total, também defendida e praticada, segundo consta a história, por Vinoba e pelo Imperador Ashoka .

Sucessor de Gandhi, Vinoba Bhave se inspirou em suas ideias para criar o movimento Gramdan (“doação às aldeias” é um significado aproximado). Movimento para fortalecer as comunidades locais, um dos eixos do debate de hoje em torno do desenvolvimento sustentável. Entre 1951 e 1965, mais de 80 mil comunidades conhecidas como gram-dans foram criadas, a partir de doações de terras por grandes proprietários. Não-violência, desenvolvimento comunitário e cooperação eram os eixos do movimento Gramdan, que ainda fala muito para os desafios contemporâneos. (Por José Pedro Martins)

ASHOKA, IMPERADOR DA PAZ

     A ação e o pensamento de Gandhi, Vinoba e outros não podem ser deixados à parte, não são exceção na história da Índia. Existem outras referências importantes, e uma delas é a do Imperador Ashoka, que governou no quarto século antes de Cristo. O respeito ao equilíbrio ambiental e à diversidade cultural – fundamentos da Cultura da Sustentabilidade – durante o governo do Imperador Ashoka foi resumido com precisão por Joaquín Araújo, em “XXI: Siglo de la Ecologia” (“XXI: Século da Ecologia”), publicado em 1996 pela Editora Espasa, da Espanha. Afirma o autor (em tradução livre):

“O período de Ashoka (século IV antes de Cristo na Índia) consolida um estado de beneficência pública, total e gratuita para todos os súditos. Aparece um certo feminismo pela primeira vez na história do pensamento, plasmado na criação de um departamento de assuntos da mulher. Foram igualmente respeitadas e atendidas administrativamente as minorias indígenas. Quer dizer, foi fomentado e assegurado o respeito à biodiversidade cultural do próprios súditos do imperador.

Foi renunciado totalmente o emprego da força. Foram criadas hospedarias, hortos e poços de água potável para os viajantes. Foram praticadas políticas de reflorestamento e inclusive foram semeadas ao longo dos caminhos da Índia cultivos com plantas medicinais, para que todo mundo pudesse ter acesso ao que poderia ser considerado uma assistência farmacêutica completamente gratuita. Foi também dispensado um alto grau de proteção à flora e fauna nativas. Esta utopía, não apenas com lugar mas com orçamento, durou apenas duas décadas, mas seu papel na história está aí, impagável”, conclui Araújo.

 

THOREAU, NACIONALISMOS E PARQUES:

ANTECEDENTES DO DEBATE AMBIENTAL

A expansão das ferrovias e dos perímetros urbanos, a proliferação de áreas marcadas pela poluição  vinda das indústrias movidas a carvão e, depois, derivados do petróleo, o desaparecimento de espécies animais que encantavam os homens. Tudo isso, somado ao florescimento e disseminação do nacionalismo, contribuiu para a emergência das primeiras organizações dedicadas à conservação da natureza, na segunda metade do século 19. Instituições dedicadas a proteger uma espécie ou determinada paisagem, que sempre tinha significado importante para uma identidade nacional específica, como acentua Philippe Le Prestre (in “Ecopolítica Internacional”, Editora SENAC, São Paulo, 2000, página 163).

Assim apareceram a Sociedade Nacional de Proteção da Natureza na França (1854), Associação para a Proteção dos Pássaros Britânicos (sic!, 1870), os norteamericanos Sierra Club (de 1892 e ainda muito influente) e Audubon Club (1905), a grega Les Amis des Arbres (1902), os dinamarqueses Dansk Ornitologisk Forening  (1906) e Danmarks Naturfednings Forening (1911), a Ligue Suisse pour la Protection de la Nature (1909) e a Royal Society for Nature Conservation (1912), entre tantas outras organizações listadas por Le Prestre.

Iniciativas concretas para a proteção de determinado espaço natural foram as criações de parques nacionais, como o pioneiro de Yellowstone, nos Estados Unidos, em 1872, e a partir dele o Royal National Park na Austrália (1879), os canadenses Banff (1885) e Glacier (1886), os parques suecos na Lapônia (1909) e os primeiros parques na Suíça (1914) e Espanha (1918).

Na esteira dessas preocupações de certo modo pioneiras, com a proteção de recursos naturais, para que eles não fossem exauridos, devastados, apareceram nas primeiras décadas do século 20 as convenções, igualmente pioneiras, na área ambiental, todas apontando para aspectos do que, no início do século 21, é considerado como essencial à sustentabilidade. Como a Convenção européia para a proteção dos pássaros úteis à agricultura (1902), a Convenção sobre a foca peluda do Pacífico Norte entre Canadá e Estados Unidos (1911), Convenção para a proteção dos cardumes de bacalhau do Pacífico Norte e do mar de Bering (1923) e Convenção para a conservação da fauna e da flora em estado natural (Londres, 1933).

A destacar, a Convenção para a regulamentação da caça à baleia, de 1931, que está na origem da Convenção de Washington para a regulamentação da caça à baleia, conhecida como “Convenção Baleeira Internacional”. A preocupação com a caça às baleias, maiores mamíferos do planeta, e que alcançou grande protagonismo com as campanhas da Greenpeace nas décadas de 1970 e 1980, data de longe, na esteira da destruição desses animais magníficos, que sempre provocaram temor e encantamento e que geraram – e continuam gerando – lucros para pessoas e empresas inescrupulosas.

A Convenção Baleeira Internacional representa um marco, pelo que ela representou de proteção das baleias, sobretudo das baleias azuis, embora tenha recebido muitas críticas posteriormente, pelos rumos que tomou. Outras espécies, infelizmente, continuaram e continuam sendo caçadas impiedosamente no início do século 21. A Tabela 1 mostra a queda da caça à baleia azul – porque o seu número se reduziu drasticamente, em um caso clássico de como é insustentável o modelo de desenvolvimento que não se preocupa com a preservação de espécies e recursos naturais.

Tabela 1

Baleias azuis caçadas por década no planeta

1910 – 1919

26.819

1920 – 1929

69.217

1930 – 1939

170.427

1940 – 1949

46.199

1950 – 1959

35.948

1960 – 1969

7.434

1970 – 1979

23

1980 – 1991

0

Fonte: Pearce, Turener y Bateman. 1996, in “EMPRESARIO Y MEDIO AMBIENTE: ¿MENTALIDAD EN CONTRAVIA?,  PRINCIPIOS DE ECONOMIA SOSTENIBLE”, Alejandro Boada Ortíz, Facultad de Administración de Empresas, Universidad Externado de Colombia

      Ao lado das primeiras instituições e convenções dedicadas à proteção e conservação de recursos naturais, foram realizados os primeiros grandes encontros internacionais sobre o tema. Casos do Congresso Internacional sobre a proteção da natureza, em Paris (1909), Congresso Internacional sobre a proteção da flora, da fauna e dos panoramas e monumentos naturais, também em Paris (1923), e do Congresso internacional para o estudo e a proteção dos pássaros, de 1927, em Genebra, Suíça.

Foi neste cenário, favorável à emergência de vozes pioneiras, que apareceram contribuições fundamentais para a idéia da sustentabilidade. Uma referência essencial nesse sentido é Henry David Thoreau, para alguns autores o primeiro “ecologista”, no perfil que o termo assumiu.

Thoreau nasceu a 12 de julho de 1817, e sempre viveu na pequena cidade de Concord, no estado de Massachusetts. Era leitor compulsivo da literatura oriental e dos clássicos, que forneceram a base de sua proposta de vida simples e amor à natureza, radicalizada quando decidiu construir uma pequena casa às margens do lago Walden.

Por recusar-se a pagar impostos – que na sua opinião eram utilizados pelo governo em atividades bélicas – Thoreau foi preso. A escravidão, a militância partidária e a situação dos índios foram devidamente denunciados por Thoreau, que morreu em 1862. Defesa do meio ambiente natural e das vítimas humanas do modelo de desenvolvimento predador.

O período em que Thoreau viveu foi marcado por um dos maiores genocídios da história, ocorrido nos Estados Unidos. Populações indígenas inteiras foram dizimadas, como aconteceu com os Navajo, que ficaram reduzidos a poucos sobreviventes a partir de 1864. O exemplo de Thoreau, que protestava com suas atitudes pacíficas contra esse estado de coisas, ficou marcado na história como o do poder das idéias contra as armas.

Seu estilo de escrever é cortante, cheio de ironia, como nessa passagem para muitos profética…: “O que é este governo americano senão uma tradição, embora recente, que se empenha em passar inalterada à posteridade, mas que perde a cada instante algo de sua integridade? Não possui a vitalidade e a força de um único homem vivo, pois pode dobrar-se à vontade deste homem. É uma espécie de arma de brinquedo para o povo, mas nem por isso menos necessária, pois o povo precisa ter algum tipo de maquinaria complicada, e ouvir sua algazarra, para satisfazer sua idéia de governo”.

O seu livro “Walden, a vida nos bosques”, é a apologia da vida simples, junto à natureza, consumindo-se apenas o que realmente é necessário. Uma vida não competitiva e, portanto, não-violenta. Não por acaso, Thoreu foi uma fonte de inspiração para muitos apóstolos da não-violência, como Leon Tolstoi (1828-1910) e o próprio Mahatma Gandhi (1869-1948).

É notável a influência de Thoreau através dos tempos, pelo frescor de suas idéias, que permanecem novas, porque ainda dizem muito a respeito de como deve e pode ser uma vida simples e feliz. Em 1907 o poeta espanhol Antonio Machado (1875-1939) escreveu um comentário sobre “Walden”, assim encerrando o artigo: “Leiam, pois, intelectuales espanhõis, se ainda não o  haveis aprendido de memória, o livro deste inflectual que sonhou como latino e como saxão pôs em prática o seu sonho”. Ainda sob o impacto da barbárie da Segunda Guerra Mundial, em 1948 B.F.Skinner (1904-1990) publicou “Walden Dois”, narrativa sobre utopia humanista, baseada em Thoreau.

Como um dos indicadores mais recentes da permanência do pensamento de Thoreau, em 7 de junho de 2004, na cidade do México, foi inaugurada a cátedra Henry David Thoreau, na Faculdade de Filosofía e Letras da Universidad Nacional Autônoma do México (UNAM). Mais um tributo à contribuição de Thoreau, que continua sendo referência para uma nova forma de pensar e viver a vida. Uma vida que, se espera, no século 21 seja sustentável, para a garantia de continuidade da própria vida. (Por José Pedro Martins, in “Terra Cantata – Uma história da sustentabilidade”)

 

CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO: QUATRO

DÉCADAS DE REFLEXÃO SOBRE A BIOSFERA

Neste ano, em que será realizada a Rio+20, são lembradas as quatro décadas da Conferência de Estocolmo, a primeira grande conferência das Nações Unidas sobre a biosfera. Muitos observadores do setor entendem que, em termos de propostas em suas conclusões, a Conferência de Estocolmo foi uma das mais avançadas até o momento, inclusive até em relação à célebre Eco-92. De qualquer modo, é importante entender o que aconteceu na Suécia, para uma avaliação mais detalhada da trajetória recente do debate sobre o que chama hoje de desenvolvimento sustentável.

A publicação de “Dilemas do Crescimento” e a polêmica que se seguiu forneceram combustível adicional para a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, Suécia, entre 5 e 16 de junho de 1972.      Vários esforços internacionais já vinham sendo feitos, ao longo da década de 1960, para consolidar articulação mais consistente em defesa dos recursos naturais. O ambiente da Guerra Fria, sedimentado com a construção do Muro de Berlim em 1961, dificultava os esforços globais pela proteção dos recursos naturais. A prioridade, para muitos governos, era o “combate ao comunismo”.

Divergentes em política, irmãos na forma de explorar os recursos naturais. O chamado socialismo real no Leste Europeu seguiu os mesmos paradigmas da sociedade industrial. A prioridade sempre foi a produção.

Apesar do cenário não muito favorável em termos políticos, a Grande Recusa dos anos 60 facilitou a emergência de nova mentalidade, repercutindo em importantes acordos. Em 1964 foi lançado o Programa Biologico Internacional. O mesmo com o Decênio Internacional da Hidrologia, de 1965.

1966 foi ano crucial, pela publicação das primeiras imagens da Terra olhada do espaço. A humanidade tinha a noção exata de como “todos estão no mesmo barco”. A Terra é nave viajando pelo espaço. Nave que leva a humanidade… ao encontro de si mesma. Se algo acontecesse com essa nave, todos – humanos e outros animais, vegetais, recursos naturais – sofreriam.

Ainda em 1966 foi editada a Convenção Internacional para Conservação do Atum do Atlântico. No ano seguinte, a Organização Meteorológica Mundial lançou a Vigilância Meteorológica Mundial.

Em pleno Maio de 1968, em que a juventude sacudiu os pilares do poder em todas suas dimensões, a Assembléia Geral da ONU aprovou a Resolução 2398, prevendo a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente Humano, em Estocolmo, em junho de 1972.

Em 1969 nasceu a organização Amigos da Terra, depois foi aprovada a Convenção de Ramsar de Áreas Úmidas (2 de fevereiro de 1971, entrando em vigor em 21 de dezembro de 1972) e a Unesco lançou o programa O Homem e a Biosfera, outro marco capital na trajetória da idéia de sustentabilidade. Estava amadurecido o ambiente para a Conferência de Estocolmo, de resultados importantes para a idéia da Cultura de Sustentabilidade.

A Guerra Fria impactou Estocolmo. A União Soviética e demais países do Leste Europeu boicotaram a Conferência, em protesto contra a exclusão da representação da Alemanha Oriental. Mas participaram representantes de 113 Estados nacionais, na maior conferência até então realizada pelas Nações Unidas, realizada sob o lema Uma Só Terra (Only One Earth).

Grandes resoluções não foram tomadas, pelas barreiras da Guerra Fria e o temor dos países do Sul, no sentido de que o Norte estimulasse medidas que levassem ao atraso no seu desenvolvimento. Era um temor que “Dilemas do Crescimento” também havia suscitado. Mas a habilidade do grande condutor da Conferência Estocolmo, o canadense Maurice Strong, impediu que houvesse um fracasso. Muitos acordos foram negociados previamente.

Ligado ao setor energético, com vínculos estreitos com grandes corporações e trânsito fácil nos bastidores das Nações Unidas, Maurice Strong, nascido em 1929, em Oak Lake, Manitoba, Canadá, permaneceria durante décadas como espécie de “eminência parda” nas negociações de alto nível sobre meio ambiente. Foi de novo secretário-geral da Eco-92.

Para muitos autores, inclusive, a Conferência de Estocolmo foi inclusive mais avançada, em algumas aspectos, do que as Conferências posteriores, de 1982, em Nairobi, Quênia, e de 1992 no Rio de Janeiro. Muitos dos 26 Princípios do documento final do encontro, a Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente, são considerados mais incisivos do que aqueles aprovados em conferências posteriores. Uma síntese dos 26 Princípios, na versão de Miguel Grinberg (em “Ecofalacias”, Galerna, Buenos Aires, 1999. p.34-35):

  1. Afirma os direitos humanos, condena o Apartheid (que ainda vigorava na África do Sul) e o colonialismo.
  2. Os recursos naturais devem ser protegidos.
  3. A capacidade da Terra para produzir recursos naturais deve ser mantida.
  4. A vida silvestre deve ser protegida.
  5. Os recursos não-renováveis não devem ser esgotados.
  6. A contaminação não deve exceder a capacidade do meio ambiente para se auto-regenerar.
  7. Deve ser prevenida a poluição que afeta os oceanos.
  8. O desenvolvimento deve ajudar a melhorar o meio ambiente.
  9. Os países em desenvolvimento necessitam assistência.
  10. Para encaminhar a gestão ambiental, os países em desenvolvimento necessitam preços razoáveis por suas exportações.
  11. A política ambiental não deve dificultar o desenvolvimento.
  12. Para encaminhar as salvaguardas ambientais,os países em desenvolvimento necessitam recursos financeiros.
  13. É necessário um planejamento integrado para o desenvolvimento.
  14. O planejamento racional deve resolver os conflitos entre meio ambiente e desenvolvimento.
  15. Para eliminar os problemas ambientais, devem ser planificados os assentamentos humanos.
  16. Os governos devem planejar suas próprias políticas populacionais adequadas.
  17. O desenvolvimento dos recursos naturais dos Estados deve ser planejado por instituições nacionais.
  18. A ciência e a tecnologia devem ser usadas para melhorar o meio ambiente.
  19. A educação ambiental é essencial.
  20. A pesquisa ambiental deve ser promovida, particularmente nos países em desenvolvimento.
  21. Os Estados devem explorar seus recursos como desejam, mas sem colocar em risco os recursos dos demais.
  22. Os Estados assim lesionados são passíveis de compensação.
  23. Cada nação deve estabelecer seus próprios parâmetros.
  24. Deve existir cooperação em questões internacionais.
  25. Os organismos internacionais devem ajudar a melhorar o meio ambiente.
  26.  Devem ser eliminados os armamentos de destruição  em massa.

Quase todos esses Princípios continuam válidos 35 anos depois. A Conferência aprovou ainda 109 Recomendações que, como os Princípios, acabaram se tornando apenas boas intenções. Mas Estocolmo teve um grande resultado: sob o impulso positivo do evento, foi criado no final de 1972, pela Assembléia da ONU, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), e o primeiro diretor-executivo nomeado foi o próprio Maurice Strong. A sede do PNUMA foi instalada em Nairobi, Quênia – foi o primeiro órgão de alto nível das Nações Unidas sediado em país africano.

Por problemas operacionais e orçamentários, o PNUMA enfrentou razoáveis dificuldades nos primeiros anos de funcionamento. Mas depois efetivamente se tornou mais uma referência importante, no cenário institucional internacional, nos esforços pelo desenvolvimento sustentável.

Do lado da sociedade civil, pelo menos dois outros nomes se destacaram no âmbito da Conferência de Estocolmo. Um deles foi o biólogo norteamericano Paul R Ehrlich,  professor na Universidade de Stanford (Califórnia), autor de livros como The Population Bomb, Eco-Catastrophe, Population, Resources, Environment (este de colaboração com Anne Ehrlich, sua mulher, que é assistente de Biologia na mesma instituição) e How to be a Survivor (co-autoria com Richard L.Harriman).

Outro nome controvertido foi o do ambientalista britânico Edward Goldsmith, que durante a Conferência editou, em parceria com “Amigos da Terra”, jornal diário para os participantes. Foi um dos idealizadores do “The Environmental Forum” e fundador de “The Ecologist”, uma das mais importantes publicações sobre questões ambientais e sociais da história.     (Por José Pedro Martins, do livro “Terra Cantata – Uma história da sustentabilidade”)

 

LIMITES DO CRESCIMENTO, DO CLUBE

DE ROMA: 40 ANOS DE UM MARCO

 

Um impulso especial para a questão ambiental global foi dado com a publicação, no início de 1972, do relatório “Limites do Crescimento”, elaborado por equipe do Massachusetts Institute of Technology (MIT), um dos mais importantes e conceituados centros de pesquisa dos Estados Unidos e do planeta. As conclusões do relatório, coordenado por Dennis L.Meadows e outros autores, alertando para os limites da exploração dos recursos naturais, tiveram grande repercussão na primeira Conferência Mundial sobre Meio Ambiente Humano, realizada naquele ano em Estocolmo, Suécia. A Conferência de Estocolmo é, de fato, um marco em termos do ambientalismo contemporâneo, por consolidar vários conceitos ainda caros, como os princípios da precaução e das responsabilidades comuns e diferenciadas.

      Limites do Crescimento nasceu do pedido de um membro do Clube de Roma, Edouard Pestel, reitor da Universidade de Hannover e membro da direção da Fundação Volkswagen, para que esta instituição liberasse US$ 200 mil que seriam usados no financiamento de um estudo mais amplo do que Dilemas da Humanidade. Publicado em julho de 1970, pelo Clube de Roma, Dilemas foi um dos primeiros textos em que o “primeiro time” do grande empresariado mundial demonstrou alguma preocupação com as barreiras ambientais ao crescimento econômico. O Clube de Roma foi criado no início de 1968, a partir de conversas iniciais de um empresário italiano, Aurelio Peccei (foi presidente e administrador da Italconsult, vice-presidente da Olivetti, diretor da FIAT para a América do Sul, um dos fundadores da Alitalia), do executivo escocês Alexander King, do engenheiro suíço Hugo Thieman e do especialistas em tecnologia Eric Jautsch. O objetivo era promover uma reflexão de alto nível sofre o futuro do planeta e da humanidade. O momento era mais do que simbólico, considerando a revolução cultural resultante do Maio de 68 francês e de acontecimentos semelhantes em todo planeta, basicamente questionando os rumos da

Dilemas da Humanidade, o primeiro documento do Clube de Roma, foi o ponto de partida para uma reflexão global, aprofundada com Limites do Crescimento.  A coordenação de Limites do Crescimento ficou a cargo de D.L.Meadows, Donella H.Meadows, Jorgen Randers e William W.Behrens III, que lideraram uma equipe de 17 especialistas em informática do MIT. Outros gigantes da sociedade industrial-tecnológica, a Fiat e a Ford, participaram do financiamento do relatório. Projetando o futuro possível do planeta e da humanidade, Limites do Crescimento levou em consideração cinco variáveis: população, produção industrial, produção de alimentos, poluição e utilização de recursos naturais não-renováveis.

O que o documento publicado no início de 1972 sublinhava, em termos sintéticos, é que a população mundial e a produção industrial crescem de forma exponencial. O crescimento exponencial da população deve-se à variação positiva da taxa de natalidade, em conjunto com a variação negativa da taxa de mortalidade, alcançada em função dos avanços na área médica, entre outros fatores. O crescimento exponencial da indústria, por sua vez, estava ocorrendo em ritmo superior ao da população.

Essa dinâmica de crescimento populacional da população e indústria é limitada, contudo, em determinado momento, pelas alterações nos ecossistemas, pela falta de alimentos e dilapidação de recursos naturais não-renováveis. A falta de alimentos seria devida ao esgotamento de terras cultiváveis e limitação nos estoques de água doce, entre outros condicionantes.

No caso dos recursos naturais, o relatório fez simulações em vários casos, como das reservas de alumínio, que de acordo com as projeções dos computadores do MIT seriam esgotadas em cem anos, se mantido o ritmo de exploração daquela época. Se o ritmo aumentasse, como vinha ocorrendo, as reservas poderiam se esgotar em até 31 anos. Os casos das reservas de cobre, chumbo, ferro, mercúrio e petróleo também foram observados. Mesmo se os cálculos das reservas estivessem subestimados, o documento indicava que no máximo o prazo de esgotamento seria esticado alguns anos ou décadas.

A poluição foi outro fator examinado. Já se acentuava a questão da emissão de dióxido de carbono para a atmosfera, a um ritmo na época de 20 bilhões de toneladas anuais, como um dos efeitos das formas insustentáveis de energia.  Nem mesmo o avanço tecnológico, segundo os autores do documento, poderia alterar essa dinâmica insustentável, como no caso da energia nuclear, que poderia resolver o problema da geração de energia a partir da substituição de fontes não-renováveis (os derivados de petróleo), mas gera o problema insolúvel dos rejeitos radioativos. Com todos recursos científicos e tecnológicos disponíveis à época, muito inferiores aos atuais, já foi um claro indício de que a emissão de carbono preocupava parte significativa da inteligentzia do mundo corporativo.

Para evitar o colapso total, o documento sugeria controle do aumento da população mundial e a estabilização da produção industrial. Com isso diminuiriam a necessidade de produção de alimentos e o consumo dos recursos naturais não-renováveis. As conclusões do documento tiveram enorme repercussão na Conferência de Estocolmo, e têm sido anos depois uma referência em todos os debates sobre sustentabilidade, mas não deixaram de provocar reações em países em desenvolvimento que viram nas propostas de controle do crescimento populacional e de contenção da produção industrial como um novo tipo de imperialismo. Estas medidas acabariam vigorando apenas para as nações do chamado Terceiro Mundo.

Limites do Crescimento provocou ácidas críticas, como as do jornalista francês Michel Bosquet (autor, entre outros, de “Critique du Capitalisme Quotidien”) em um debate promovido pelo Clube do “Nouvel Observateur”, em Paris, a 13 de junho de 1972 – poucos dias depois da Conferência de Estocolmo. Disse Bosquet: “A consciência ecológica ostentada por alguns grandes patrões parece-me, antes, ser uma manobra estratégica com um duplo objetivo. O primeiro é o de desarmar a contestação ecológica apropriando-se de alguns dos seus temas, servindo-se deles como de um álibi. Nesta ordem de idéias, pode-se entender o financiamento do estudo do MIT pelos monopólios do automóvel como um estratagema de relações publicas: trata-se de retirar à contestação ecológica o seu potencial anticapitalista, contê-la nos limites do sistema, distrair as nações ricas enquanto os seus Estados organizam, ajudam ou toleram os massacres programados, mecanizados e quimicizados no Vietnã e noutros locais”.(in Ecologia contra Poluição, Novos Cadernos D.Quixote, Publicações D.Quixote, Lisboa, 1973).

Outra voz poderosa a criticar o relatório foi o brasileiro Josué de Castro, autor do lendário “Geografia da Fome”. Em artigo publicado no Correio da Unesco, de janeiro de 1973,  assinalava que o relatório o MIT considera um único modelo de desenvolvimento possível, o da sociedade industrial, e daí o seu equívoco fundamental. “Este exclusivismo, típico de cultura etnocêntrica dos países altamente desenvolvidos, revela a natureza não científica do mesmo relatório”, diz o brasileiro, então exilado em Paris e para quem era necessário pensar um novo modelo de desenvolvimento, em benefício principalmente do Terceiro Mundo.

Apesar das críticas, de qualquer modo, Limites do Crescimento já indicava a preocupação, no seio da elite política e econômica, com os rumos insustentáveis do crescimento industrial, da forma como vinha sendo conduzido na década de 1960. O documento teve enorme impacto, principalmente na Europa. Somente na Holanda foram vendidos 200 mil exemplares em poucos dias, apesar da linguagem adotada de ordem essencialmente técnica – o texto é todo intercalado com gráficos de simulações de várias situações. O método utilizado para a montagem do relatório foi o da “dinâmica de sistemas”, desenvolvida então há mais de 30 anos por Jay Forrester, um dos principais colaboradores do Clube de Roma no MIT.  (Fonte: DENNIS L.MEADOWS, DENNIS L.MEADOWS, JORGEN RANDERS e WILLIAM W.BEHRENS III, Limites do Crescimento, 2a edição, Editora Perspectiva, São Paulo, 1978).

(Do livro “Terra Cantata – Uma história da sustentabilidade”, de José Pedro Martins, Editora Komedi)

 

REGIÃO DE CAMPINAS TEM TRADIÇÃO AMBIENTAL. MAS AVISOS NÃO FORAM OUVIDOS E SITUAÇÃO É MAIS DO QUE CRÍTICA

Rio Atibaia, no distrito de Sousas, em Campinas 

      A mobilização em defesa dos recursos naturais e contra a degradação não é recente na RMC. Pelo contrário, duas instituições centenárias sediadas na região lutam há décadas pela preservação ambiental e têm papel fundamental na consolidação de uma cultura ambientalista no Brasil: Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e Centro de Ciências, Letras e Artes (CCLA).

Pena que as advertências feitas por estas e outras instituições não foram ouvidas. A região vive uma situação mais do que crítica na área ambiental. Restam menos de 5% das áreas de matas nativas, na região que era toda coberta por Mata Atlântica. Entre 2005 e 2010, aumentou de 225 para 552 o número de áreas contaminadas na região de Campinas, cadastradas pela Cetesb, a agência ambiental do governo paulista. De acordo com o “Painel da Qualidade Ambiental 2011”, a região das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), conformada por 57 municípios, incluindo os 19 que compõem a RMC, tem a pior qualidade das águas dos rios entre as 22 Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI) que cobrem o território paulista. E mais: a 26 de setembro de 2011, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou o ranking das cidades e regiões mais poluídas do planeta. A RMC figurou como a terceira mais poluída do Brasil, em termos atmosféricos, atrás somente das regiões do Rio de Janeiro e Cubatão.

Márcia Correa, da Sociedade Protetora da Diversidade das Espécies (Proesp), lamenta a crítica situação ambiental na RMC. Cita a ultrapassagem de vários parâmetros de poluição atmosférica e afirma: “A forma sem planejamento  da  expansão urbana das cidades,  atendendo interesses somente corporativos. está levando a Região Metropolitana de Campínas  a níveis insustentáveis  de seus bens ambientais. Nossos produtores de água estão sendo impactados de forma criminosa, com grandes empreendimentos sendo licenciados nos entornos de  corpos d’agua (córregos, nascentes , brejos etc). Não existe um programa consistente de prevenção para estes produtores.Muitos deles são entrecortados por muros de condomínios de alto padrão aquisitivo”.

Ela destaca a degradação das águas: “A poluição da água aumenta o problema de escassez . A área metropolitana de São Paulo importa cerca de metade de seu abastecimento de água da bacia do Piracicaba na área metropolitana de Campinas em direção ao norte, o que gera um prolongado conflito sobre água. A bacia do Anhumas  e a micro Bacia do São Quirino ja estão com loteamentos sobre seus entornos,  aumentando a poluição  e a extinção de muitos deles. Como compatibilizar este crescimento econômico com a prevenção destes importantes recursos? Sim , nós pagaremos futuramente um alto preço por esta incapacidade política de traçar diretrizes para conter esta degradação  causada pelo desenvolvimento econômico proposto , e que será debitado na computação de vidas humanas inalienáveis na forma financeira”.

História negligenciada – Foi um dos filhos da aristocracia cafeeira da região de Campinas, o conselheiro Antônio Prado, um dos grandes responsáveis pela criação, em 1885, da Imperial Estação Agronômica. A monarquia de D.Pedro II entrava em profundo desgaste, que se seguiu à Guerra do Paraguai e prosseguiu com o fortalecimento do abolicionismo e do movimento republicano, que tinha em Campinas alguns de seus principais líderes. Muitos fazendeiros de café foram atraídos pelo republicanismo.

De forma paralela ao enfraquecimento do modo de produção escravocrata, evoluía o projeto de estímulo à imigração de colonos europeus para trabalhar na lavoura (os primeiros colonos europeus, alemães, foram introduzidos nas propriedades do senador Vergueiro, na região de Campinas).

Foi nesse cenário que uma lei da agonizante monarquia criou, em setembro de 1885, a Imperial Estação Agronômica de Campinas, entre outros objetivos com o de buscar a diversificação agrícola, com o resultante crescimento da riqueza da aristocracia agrária (abalada com o esvaziamento da escravidão) e a preparação do terreno para atrair a mão-de-obra européia. De fato, uma das missões do primeiro diretor da Estação Agronômica, o austríaco Franz Wilhelm Dafert, era o de tentar a aclimatação da cultura da uva, como forma de atrair em especial os colonos italianos. Um ano depois da criação da Estação Agronômica seria fundada a Sociedade Promotora da Imigração.

Criada em setembro de 1885, a Estação Agronômica foi de fato implantada a 27 de junho de 1887, considerada a data oficial de fundação da instituição, um ano antes, portanto, da Abolição da Escravatura (conforme lei de 13 de maio de 1888) e dois antes da Proclamação da República (a 15 de novembro de 1889).

De modo paralelo às questões políticas, sucessivas epidemias de febre amarela tiveram impacto na etapa de implantação da Estação Agronômica – tornada propriedade do Estado de São Paulo em 1890. Dois anos depois, a instituição se denominaria Instituto Agronômico do Estado de São Paulo.

Entre 1889 e 1897 cerca de 2.500 pessoas morreram em Campinas, vítimas da febre amarela. As vítimas eram sobretudo pessoas pobres, pois quem tinha recursos fugia da cidade, que ficou quase abandonada.

Não se sabia, na época, que o mosquito Aedes aegypti era o responsável pela propagação da febre amarela. Foram ineficazes as medidas tomadas para a combater as epidemias. O número de vítimas fatais equivalia a 6% da população da cidade na época – foi como se 60 mil moradores hoje de Campinas, que tem uma população total de 1 milhão de habitantes, morressem em um espaço de cinco anos, vítimas de alguma doença tropical.

Sob o impacto da febre amarela, não foi por acaso que uma das primeiras unidades instaladas no Instituto Agronômico foi a Seção de Fitopatologia, destinada a pesquisar e sugerir medidas para erradicar as doenças de plantas.

A destruição das florestas, para dar espaço aos cafezais, continuaria inquietando os pesquisadores do Instituto Agronômico entre o final do século 19 e início do século 20. As estimativas são de que, nesse período, 10 mil quilômetros quadrados – área equivalente a 5% do território de São Paulo e a 10% do território de Cuba – de florestas nativas em território paulista foram substituídas por cafezais.

Os impactos do café e das ferrovias nas florestas de São Paulo foram denunciados no primeiro número da “Revista do Centro de Ciências, Letras e Artes”, um núcleo de intelectuais criado em Campinas em 1901. As denúncias foram feitas por João Pedro Cardoso, ligado ao Instituto Agronômico e quer seria depois inspetor do 2o Distrito Agronômico de Campinas.

Ainda em 1902, o mesmo João Pedro Cardoso foi o grande responsável pela comemoração, na cidade de Araras, na região de Campinas, do primeiro Dia da Árvore no Brasil. Cardoso inspirou-se no “Arbor-Day”, que era promovido desde 1872 nos Estados Unidos. O Dia da Árvore passaria a ser comemorado no Brasil todo dia 21 de setembro, na entrada da Primavera, como um símbolo do renascimento da natureza pós-Inverno.

A tradição florestal seria mantida pelo Instituto Agronômico de Campinas ao longo de todo o século 20. No início da década de 1960, pesquisadores do Instituto coordenaram a execução do primeiro levantamento aerofotogramétrico da cobertura florestal do território paulista.

Foram feitas 25 mil fotografias aéreas de cada ponto do território paulista. O levantamento concluiu que, no início da década de 1960, o Estado de São Paulo tinha 3.405.800 hectares de floresta nativa, ou 13,7% do território paulista. Pelo esforço tecnológico e científico desenvolvido, o trabalho chamou a atenção da comunidade científica internacional para a tragédia representada pela destruição de um dos principais patrimônios ambientais da humanidade, a Mata Atlântica, que por uma ocupação inadequada, iniciada pelos colonizadores portugueses, reduziu-se a menos de 10% de sua extensão original, de 1 milhão de quilômetros quadrados.

A contribuição do Instituto Agronômico de Campinas para a construção de uma consciência e de uma cultura ambientalista no Brasil não se limita à área florestal. Foram igualmente pioneiros no Brasil os estudos preventivos à erosão nos solos, realizados pela seção de Agrogeologia do Instituto, criada em 1935 e que teve como primeiro chefe o alemão Paul Vageler. Os estudos preliminares coordenados por Vageler foram a base dos zoneamentos agroecológicos, que passaram a ser realizados pelo IAC na década de 1960, com o uso de fotografias aéreas e, depois, com fotos por satélite.

Os avisos dos cientistas não foram suficientes. A destruição continuou. A Região Metropolitana de Campinas tem menos de 5% de vegetação nativa remanescente. A botânica Roseli Torres, do IAC, entende que falta um plano de recomposição de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e adverte também para a crítica situação da arborização urbana nas cidades, em particular em Campinas.

“A arborização urbana é muito importante para a saude das pessoas, para a questão do clima, só traz benefícios, mas não está sendo cuidada como deveria ser”, protesta Roseli. Ela adverte que também nota árvores secas em muitos pontos de Campinas e que mereceriam uma vistoria adequada. Enfim, na sua opinião, a Lei da Arborização Urbana de Campinas, a cidade que tem tanta história nessa área, não vem sendo cumprida em toda a sua integralidade

(Por José Pedro Martins)

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